Há tristes e insistentes paradoxos no Brasil. O país orgulha-se de fazer parte do clube de nações signatárias de compromissos internacionais de sustentabilidade, fundamentais para o combate ao aquecimento global, como o Acordo de Paris, de 2015. Celebra ter posto em pé a chamada Política Nacional de Resíduos Sólidos. No papel, parece bonito. Na realidade, a história é feia: há pelo menos 3 000 lixões a céu aberto. A lei de obrigatoriedade do fim deste tipo de descarte, publicada em 2010, estabelecia quatro anos para os municípios se adequarem. Como em 2014 a situação continuava a mesma, os prefeitos esticaram o prazo até o ano passado — e nada. Agora, a irregularidade está oficializada.
Os imundos depósitos funcionam como fábricas de poluentes, ao emitir continuamente metano e chorume. Além do mais, do ponto de vista geológico, a maioria está em risco de colapso. O alerta vem da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente. “Os lixões não têm sistema de drenagem eficiente, o que pode desestabilizar o solo e causar deslizamentos”, diz Pedro Maranhão, presidente da instituição. O colapso de uma montanha de descarte é uma tragédia ambiental de difícil recuperação.
Um problema do tipo ocorreu há um mês, no município goiano de Padre Bernardo, a 223 quilômetros de Goiânia, quando uma quantidade de lixo suficiente para encher oito piscinas olímpicas desabou morro abaixo até atingir o Córrego Santa Bárbara. O material pertence ao Aterro Sanitário Ouro Verde, que, por não tratar o viscoso líquido que emana da matéria orgânica em decomposição, foi classificado como lixão. Funcionava por força de uma liminar da Justiça, em área de preservação e sem licenciamento do estado. Em nota, a empresa responsável pelo lugar disse não ter culpa do acidente e negou a contaminação, porque boa parte do material teria ficado na encosta do cânion. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Goiás proibiu o uso da água do rio, devido à presença de espuma, indicativo de metais pesados, como mercúrio, chumbo e cádmio. A empresa foi fechada por decisão judicial, multada em 37,5 milhões de reais e teve o bloqueio das contas bancárias em 10 milhões de reais. Cabe recurso.
O caso Ouro Verde acendeu de vez o alerta. Em Goiânia, a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento identificou doze aterros em situação irreversível. É descaso que se espalha. Em Manaus, o monturo municipal já não deveria funcionar, corroído pela inépcia. Na capital do Piauí, uma estação da Empresa Teresinense de Desenvolvimento Urbano, gerenciada por uma companhia terceirizada, é alvo de denúncias por péssimas condições de trabalho depois da morte de um menino de 12 anos, atropelado por um trator enquanto dormia. Os municípios alegam falta de dinheiro e batem na tecla de sempre, a burocracia oficial que os impeliria a delongas.

É balela. A rigor, a engrenagem burocrática facilita os danos ao exigir das cidades, quase sempre, somente uma autodeclaração de resíduos sólidos urbanos. O resultado: áreas sem tratamento ambiental correto são identificadas erroneamente como aterros controlados. O Brasil produz 80 milhões de toneladas de lixo e recicla apenas 8% ao ano. É pouco se comparado à Alemanha, que aproveita 60% de tudo que a população põe na lixeira e ainda exporta (sim!) uma parte para nações como o Brasil. Nos últimos dois anos, o país importou 70 000 toneladas de resíduos, que se transformaram em matéria-prima para as indústrias, uma vez que o reciclado interno é insuficiente. Neste ano, a importação foi proibida para estimular a coleta seletiva. Há, porém, exceções: resíduos para a transformação de minerais estratégicos, autopeças e metais continuam chegando. O desrespeito com o lixo, enfim, é problema que não se resolve por um simples motivo: não traz votos.
Publicado em VEJA de 15 de agosto de 2025, edição nº 2957