Dentro de quatro paredes é difícil saber exatamente o que acontece. Quando o assunto é a relação entre os patrões e os empregados domésticos, é ainda mais complicado de entender de perto como a interação funciona. Interessada em analisar esses laços, a socióloga francesa Alizée Delpierre passou por dezenas de mansões na Riviera Francesa – e até trabalhou como doméstica para observar melhor esta dinâmica de trabalho. “Ao me tornar uma empregada nas casas dos ricos, pude ver que entre os empregados existem hierarquias, relações de amizade, de amor, mas também de competição”, disse à BBC sobre o motivo de sua pesquisa, que resultou no livro Servir les riches – Les domestiques chez les grandes fortunes (Servir aos Ricos – O trabalho doméstico nas casas de milionários, ainda não disponível no Brasil).
No tempo em que trabalhou nas casas dos franceses abastados, Delpierre notou as diferentes relações entre os empregados e os patrões. Alguns são vistos como “membro da família” – funcionários que compartilham laços emocionais com os chefes. “Quando você mora com uma pessoa — seja quem for —, inevitavelmente acaba criando uma relação que não é apenas de trabalho. Há emoções, afeto, até amor: amor pelos patrões, amor pelas crianças dos patrões. É uma relação quase familiar. Dizer que os empregados ‘fazem parte da família’ não pode ser entendido apenas como uma retórica hipócrita. As emoções são reais”.
Esse envolvimento emocional, no entanto, não é necessariamente positivo. De acordo com Delpierre, como os empregados são tratados quase como parentes, os ricos se sentem à vontade para pedir o que quiserem. “Mas, ao mesmo tempo, também se preocupam com eles — com a saúde deles e de seus familiares, por exemplo. Encontrei muitos empregados que viviam nas casas dos patrões com seus próprios filhos, e os ricos pagavam a escola, a comida, o médico etc. É uma relação ambivalente”.
Há também uma parcela de empregados que sofre preconceito e sendo até mesmo oprimida pelos patrões. Nos anos em que estudou essa relação, a socióloga observou que na maioria das casas havia áreas separadas para os funcionários. “Nas casas dos ricos, os empregados não podem circular por todas as áreas. Não podem usar a piscina, não podem ir para as partes da casa onde os ricos se reúnem com seus amigos. Não têm liberdade de circulação. Nas casas maiores que vi, há corredores diferentes para os empregados e para os patrões, para que os patrões não vejam os empregados o tempo todo”.
O trabalho de doméstica também envolve risco à violação dos direitos trabalhistas. Como o emprego é em ambiente da vida privada de alguém, não há testemunhas para relatar uma situação de abuso. “Na maioria das vezes, os ricos não têm realmente medo dos empregados, porque sabem que detêm todo o poder. Sabem que, sem o dinheiro deles, os empregados não são nada. Sem suas casas, os empregados não têm onde dormir”.
Mas se há casos em que os funcionários são explorados, por que eles não buscam outros empregos? Para Delpierre, a resposta é pelo salário que ganham. Na França, por exemplo, uma babá pode ganhar até 12 mil euros – o salário mínimo é de 1.800 euros.