Quem percorre as ruas de qualquer cidade no Brasil já percebe a mudança. Novas unidades de grandes redes de produtos para pets são inauguradas nas grandes avenidas e surgem pet shops e clínicas veterinárias a cada esquina. Há unidades de tratamento para diferentes doenças e até clínicas odontológicas com atendimento exclusivo para cães e gatos. Os anúncios de planos de saúde e o crescimento dos influenciadores animais são outros indícios de uma transformação profunda no núcleo familiar brasileiro. Agora, os lares com pets são a regra, e os bichos de estimação, tratados como filhos. Uma mudança que já tem impacto tremendo na economia.
Alguns dados ajudam a entender o tamanho do fenômeno. Uma pesquisa realizada pela Quaest aponta que a quantidade de filhos por residência está em queda no país. Em 2003, o tamanho médio das famílias era de 3,62 pessoas e, em 2022, chegou a 2,8. Enquanto isso, o número de pets está crescendo: são 2,3 animais por domicílio no mesmo período. Embora o número não seja preciso, já que nem todos os bichos são registrados nas prefeituras, um estudo da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet) aponta que existem cerca de 160 milhões de animais domésticos. Isso faz do Brasil a terceira maior população pet do planeta, atrás apenas de Estados Unidos e China.
O pet parenting, ou parentalidade de animais de estimação, como vem sendo chamado, envolve a adoção responsável e a criação de vínculos emocionais fortes. Não à toa, muitas pessoas hoje se identificam como “pais de pets”. Há até um projeto de lei que visa instituir o Dia Nacional dos Pais e Mães de Pets, a ser comemorado anualmente em 4 de outubro, data em que é celebrado o dia de São Francisco de Assis, conhecido como padroeiro dos animais.
Há, de fato, uma transição demográfica e comportamental em curso, que abre espaço aos peludos. Ter filhos está mais caro, e os gastos com educação, saúde e lazer podem ser proibitivos para um número crescente de pessoas. Há casais que escolhem não ter filhos e os animais surgem como “substitutos”, mesmo que a relação afetiva, é claro, seja completamente diferente. Ainda assim, há um atalho, um tanto fofo, para a tal da parentalidade.

O que é inegável é a repercussão financeira que essa transformação está causando no orçamento familiar e na economia. Em sua tese de doutorado, Clécia Satel, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, evidencia o aumento relevante de despesas com alimentação, saúde, higiene e produtos para pets. A partir de dados das Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF) de 2002-2003, 2008-2009 e 2017-2018, a cientista detectou que o número de famílias com aumento nos gastos com animais triplicou. A despesa total média, considerando diferentes arranjos familiares, apresentou um aumento total de 145%, saltando de 8,32 reais em 2002-2003 para 20,42 reais em 2017-2018. Esses números levam em conta todas as famílias, incluindo aquelas que não têm pets, o que significa que o gasto é maior entre pessoas que adotaram bichos. Além disso, não há uma pesquisa com dados mais recentes, mas é esperado que os números sejam ainda mais expressivos, dado o crescimento de opções de produtos e serviços disponíveis para os pets. “O afeto é uma questão importante nessas despesas”, afirma Satel. “Por isso, os tutores vão gastar mais em uma creche, que vai cuidar bem de seu cachorro, ou comprar uma ração de qualidade.”
Não à toa, as empresas especializadas — e até prefeituras — estão se movimentando para atender à demanda crescente. Hoje há serviços fundamentais como planos de saúde, que cobram valores numa média de 40 reais, e creches, que chegam a pedir 800 reais por mês para cuidar dos animais durante uma viagem, como também opções inusitadas, como agências de modelo, escolas de etiqueta e até um “Tinder animal”, aplicativo para achar o parceiro canino ou felino perfeito. Ainda de acordo com informações da Abinpet, o mercado pet no Brasil movimentou mais de 75 bilhões de reais em 2024, um crescimento de 9,6% em relação ao ano anterior. E a ascensão não deve parar por aí. Afinal, oferecer cuidados para os filhos de quatro patas se tornou um ótimo negócio.
Publicado em VEJA de 24 de outubro de 2025, edição nº 2967
