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A revolta das cidades na COP30: a pressão por dinheiro, poder e voz nas negociações

Enquanto as atenções mundiais se voltam para Belém, um grupo ocupa um espaço inédito na agenda da COP30: prefeitos e redes internacionais de governos locais.

Em encontros preparatórios e na entrega de uma declaração ao secretário-geral da ONU, organizações como o C40 Cities e o Global Covenant of Mayors (GCoM) repetem a mesma mensagem — a próxima fase na resposta ao aquecimento global não é mais negociação, é execução.

As cidades, dizem, já estão entregando resultados concretos, mas esbarram em barreiras institucionais e financeiras que só a ação multiescalar pode resolver.

A presidência brasileira reservou dias temáticos à pauta urbana, em reconhecimento formal de que decisões sobre transporte, resíduos, habitação e infraestrutura, tomadas no nível municipal, são determinantes para reduzir emissões e ampliar resiliência.

No centro dessa ofensiva está a proposta do C40 chamada Yearly Offer of Action: compromissos anuais, verificáveis, que deslocam o foco das promessas plurianuais para entregas imediatas.

“O presidente da COP disse claramente: a implementação do Acordo de Paris depende de vocês”, afirmou Mark Watts, diretor-executivo do C40 e um dos líderes climáticos mais importantes do mundo, segundo a revista americana Time.

Watts acrescentou que isso não significa que os municípios queiram substituir os Estados. “Queremos ver as cidades liderando, mas com uma colaboração muito mais forte dos governos federais”. E que sim, reivindicam um papel formal e efetivo na arquitetura do regime climático.

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Cidades já estão diminuindo, e rápido, as emissões

Os números usados por essas redes servem de base para a reivindicação. Relatórios do C40 apontam que 73% das cidades com dados completos já atingiram o pico de emissões e estão em queda; quando medido per capita, o ritmo de redução urbano supera em muito a média nacional. “As cidades do C40 estão reduzindo mais rápido que seus próprios países”, disse Watts.

Para Andy Deacon, co-diretor do GCoM, isso não é exclusividade das megacidades. “Em vários países, até cidades pequenas e médias têm metas mais ambiciosas que seus governos nacionais. Quando você constrói de baixo para cima, a entrega é maior.”

Pedestres caminham ao longo do rio Sena, em Paris, em 2023
Pedestres caminham ao longo do rio Sena, em Paris: cidade é exemplo de política pública na redução de emissõesGetty/Getty Images

‘Por que as cidades não têm assento formal?’ A disputa por voz e por vez

A crítica lançada por Watts e Deacon incide sobre a própria arquitetura das negociações — uma arquitetura pensada no pós-Segunda Guerra Mundial para evitar conflitos entre Estados, não para acelerar uma transformação sistémica global.

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“O multilateralismo foi desenhado para impedir algo, não para construir. Os governos acabam por negociar pelo menor denominador comum; as cidades partem do que é necessário segundo a ciência e colaboram para chegar ao máximo”, disse Watts.

Essa falta de encaixe institucional impede o reconhecimento de capacidades locais. “O sistema não foi desenhado para incluir atores subnacionais, mesmo que sejam eles que implementam transporte, resíduos, habitação e adaptação.”

A resposta prática das redes tem se materializado em iniciativas de coordenação e projetos. A Coalizão para Parcerias Multiníveis de Alta Ambição (CHAMP), com dezenas de governos e territórios endossando a agenda, tenta alinhar compromissos nacionais (NDCs) com planos locais.

E as organizações apresentam um inventário robusto: mais de 2.500 projetos urbanos prontos do ponto de vista técnico — que vão de frotas de ônibus elétricos a sistemas de captura de metano em aterros. A pergunta que ressoa entre prefeitos é simples e dura: se os projetos existem, por que não saem do papel?

Onde está o dinheiro?

A explicação é predominantemente financeira e política. “O capital vai para onde o lucro é maior. E com subsídios aos fósseis, ainda é mais lucrativo investir no sujo que no limpo”, afirmou Watts, que estima uma necessidade de US$ 800 bilhões anuais em investimento público até 2030 . Investimento capaz, segundo as redes de prefeitos, de alavancar trilhões de dólares em capital privado.

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Para ele, bancos multilaterais e grandes fundos ainda operam com estruturas pensadas para um mundo diferente. “Foram desenhados há 70 anos; não acompanham o ritmo que a crise climática exige.”

Deacon, por sua vez, ressaltou que há modelos a serem replicados: “O Bancon Interamericano de Desenvolvimento (BID) criou mecanismos para financiar cidades diretamente. Se outras instituições seguirem, o salto será imediato.”

As áreas apontadas como capazes de acelerar “da noite para o dia” com mais autonomia e financiamento são claras: transporte, retrofit de edifícios e gestão de resíduos.

Watts citou exemplos concretos: cidades com frotas de ônibus 100% elétricas, Shenzhen com uma malha robusta de carregadores super-rápidos, e regiões onde um terço das emissões urbanas advém do lixo, problema solucionável com medidas relativamente baratas para captura e aproveitamento do metano.

“Várias cidades já têm os projetos tecnicamente prontos. O que falta é o capital inicial e as janelas de desembolso que não passam por processos nacionais longos”, disse.

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Há, contudo, resistências por parte dos Estados. Governos nacionais apontam risco de fragmentação de políticas, perda de coerência macroeconômica e questões de soberania sobre alocação de recursos. Alguns temem que o financiamento direto a municípios possa expor ineficiências nacionais ou reduzir o poder de direcionamento das políticas públicas.

Por isso, o argumento das redes tem tentado se calibrar para enfatizar cooperação: empoderar prefeitos com delegação de competências e recursos, mas dentro de quadros de prestação de contas, alinhamento técnico com NDCs e mecanismos que atendam a preocupações de credibilidade e risco.

A dimensão geopolítica também marca o discurso: o apelo por financiamento direto aos municípios do Sul Global é tratado como uma questão de justiça tanto quanto de eficiência.

A queda no custo das tecnologias limpas, muito impulsionada por investimentos maciços na China, tornou soluções acessíveis. Mas isso não elimina a necessidade de capital inicial e apoio técnico. “Financiamento direto a cidades do Sul não é só eficiência, é justiça climática”, pontua Deacon.

A proposta em Belém, portanto, não é apenas técnica; tem um componente reparatório: reconhecer que os países mais ricos e poluentes têm responsabilidade acrescida de financiar a transição onde os impactos são mais agudos e as capacidades mais limitadas.

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O que a COP30 pode, na prática, entregar nesta área depende de decisões políticas e de vontade institucional. Entre medidas plausíveis estão o reconhecimento formal de espaços de diálogo no processo da ONU, a criação de janelas dirigidas a municípios pelos bancos multilaterais e a operacionalização do Yearly Offer of Action como mecanismo de transparência e responsabilidade.

Já há sinais de movimento: a entrega da declaração das redes de governos locais ao secretário-geral da ONU e as discussões sobre fundos-piloto e garantias que reduzam o risco percebido pelos investidores.

No final, a discussão que se trava em Belém é concreta e cotidiana, não apenas retórica institucional. Trata de ônibus mais limpos no trajeto diário, de bairros com sombra e refrigeração durante ondas de calor, de aterros que deixem de emitir metano, de hospitais e escolas com consumo energético menor.

É a transformação de políticas públicas que atingem a vida cotidiana e que, somadas, são parte do caminho para manter a meta de 1,5 ºC ao alcance. Como resume Deacon, “estamos urbanizando rápido demais para manter um sistema em que prefeitos precisam pedir permissão para agir”.

A zona de baixa emissão de Londres limita a circulação de veículos poluentes e é peça-chave na meta de zerar emissões até 2030
A zona de baixa emissão de Londres limita a circulação de veículos poluentes e é peça-chave na meta de zerar emissões até 2030Getty/Getty Images

Cinco projetos urbanos prontos para sair do papel imediatamente 

1. Eletrificação de frotas de ônibus
Grandes centros urbanos possuem projetos completos para substituir ônibus a diesel por veículos elétricos, incluindo rotas mapeadas, dados de demanda e custos de operação. O entrave é o investimento inicial para aquisição dos veículos e instalação da infraestrutura de recarga — algo que, uma vez financiado, reduz emissões e melhora a qualidade do ar de forma rápida.

2. Modernização de aterros e captura de metano
Centenas de cidades têm projetos para instalar sistemas de captura e queima ou aproveitamento energético do metano gerado em aterros sanitários. Essa intervenção, relativamente barata, pode reduzir emissões equivalentes às de grandes indústrias e ainda gerar receita por meio de créditos de carbono.

3. Corredores de transporte público de alta capacidade
Muitos municípios possuem projetos executivos prontos de BRTs, VLTs e sistemas integrados de mobilidade que reduziriam congestionamentos e emissões em escala urbana. Falta o financiamento inicial e, em alguns casos, garantias para atrair parceiros privados.

4. Programas de eficiência energética em edifícios públicos
Hospitais, escolas e prédios administrativos têm diagnósticos completos de retrofit energético — desde troca de iluminação até instalação de sistemas solares. O retorno financeiro é rápido, mas requer recursos para as primeiras obras, o que nem sempre está disponível.

5. Infraestruturas de resiliência para ondas de calor e enchentes
Diversas cidades já mapearam áreas de risco e possuem projetos prontos de parques de sombra, corredores verdes, drenagem sustentável e sistemas de alerta. São obras relativamente simples, com impacto direto na proteção da população mais vulnerável.

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