Lamentavelmente, muitas pessoas só tomaram conhecimento de Claudia Sheinbaum depois da viralização das cenas execráveis em que um homem “totalmente alcoolizado” a enlaça pelo ombro, tenta beijá-la no pescoço e coloca as mãos em seus seios em pleno centro histórico da Cidade do México. Uriel Rivera foi preso depois, quando as cenas já corriam o mundo, com a mesma reação feminina unânime: nem sendo uma engenheira, cientista, política e presidente da República, uma mulher escapa da torpeza de um abusador.
Muitos também se perguntaram como era possível não existir nenhum segurança perto da presidente para impedir o abuso – e ainda mais num país como o México, dominado pelos cartéis do tráfico, promotores de atos de violência indizível, inclusive a frequente decapitação de rivais que aparecem pendurados em viadutos, para ficar nos mais publicáveis.
Mas o fato é que Claudia gosta de banhos de multidão, e provavelmente os seguranças estavam fora da linha das fotos por ordem dela, embora seja em tudo o oposto do tradicional perfil populista, como o de seu mentor, o ex-presidente Andrés Manuel López Obrador, o AMLO, que tem um estilo parecido com o de Lula da Silva. A engenheira especialista em energias limpas, filha de cientistas judeus que emigraram da Lituânia e da Romênia, é tão adorada que muitas mexicanas começaram a usar o penteado que a caracteriza, um rabo de cavalo bem esticado.
E não faltam multidões. A presidente tem hoje “apenas” 70% de aprovação, o que a torna a líder de um país importante – e democrático – mais popular do mundo. No começo do ano, sua popularidade bateu em 85%. Caiu principalmente pelo lado mais vulnerável de seu governo, o combate ao crime organizado, uma praga numa escala tão alta que os problemas do Brasil empalidecem, em comparação.
SALVE PARA A MÃE DE EL CHAPO
Por estarem tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos, os traficantes mexicanos movimentam uma quantia calculada em 500 bilhões de dólares por ano. Mas o poder de corrupção desse dinheiro é incalculável. Só para dar uma ideia: funcionários do governo de AMLO foram corrompidos para abrir caminho ao inacreditável encontro, numa área à qual as duas partes chegaram de carro, em que o então presidente desceu e cumprimentou a mãe do mais conhecido de todos os traficantes, Joaquín Guzmán, ou El Chapo, o chefão do cartel de Sinaloa hoje condenado à prisão perpétua nos Estados Unidos.
Poderia López Obrador também ter sido corrompido? A suspeita, muito bem fundamentada diante do encontro deliberado entre o presidente e a mãe do traficante, que não saiu do carro para receber o salve, recai sobre todos os políticos mexicanos, acusados não apenas de comprar votos com o dinheiro dos cartéis como também a segurança para si mesmos e suas famílias. Os frequentes assassinatos de jornalistas e prefeitos – sete, só durante o governo da atual presidente – mostram a facilidade com que é possível matar até mesmo os jurados de morte com os maiores esquemas de segurança.
Nem Claudia Sheinbaum escapa das suspeitas, apesar de toda a intensificação das operações de segurança, inclusive para atender as expectativas de Donald Trump. O presidente americano já a qualificou de “uma mulher maravilhosa” e os dois falam frequentemente, em contatos facilitados pelo fato de que ela fez pós nos Estados Unidos e é fluente em inglês.
Mas o fato é que foi Trump quem conseguiu reduzir a zero o movimento de imigrantes clandestinos na fronteira com o México, não a tropa mandada por Claudia, e a “promoção” dos narcotraficantes à categoria de terroristas cria uma tensão permanente.
APROVAÇÃO COMPRADA?
Claudia Sheinbaum é de esquerda e um de seus grandes erros é não condenar o abominável e antidemocrático regime de Nicolás Maduro, aí demonstrando uma deriva para o antiamericanismo que é tão forte no México.
Entre os acertos, estão a postura sóbria como presidente e a defesa da soberania sem os apelos típicos do populismo. A multiplicidade de programas sociais criados por seu predecessor, inclusive a aposentadoria para idosos que inexistia no México – precedida, no caso das mulheres, por um benefício-tampão, entre os 60 e 64 anos.
Todos os governos de esquerda prestam muita atenção aos motivos da popularidade de AMLO e, agora, de Claudia Sheinbaum. Teriam eles “comprado” seus índices de aprovação com benefícios insustentáveis? O México tem indicadores bons, como o índice de 55,9% da dívida em relação ao PIB e o acordo de livre comércio com os Estados Unidos impulsionou a economia. Hoje, tem 14 mil dólares de PIB per capita, quanto mil a mais do que o Brasil.
Quando a vida melhora, a aprovação aos governantes também sobe, esta é uma lei universal válida em qualquer lugar do mundo. Claudia Sheinbaum colhe os resultados disso e também da imagem de dedicação total à melhoria das condições do país para todos. Até eleitores de outros partidos, hoje na oposição, aprovam a presidente.
Detalhe: na hora do assédio, a presidente teve uma reação comum entre muitas mulheres, a de amenizar conflitos mesmo quando atacadas por abusadores, mas está processando o agressor de 24 anos e quer apressar mudanças nas leis pertinentes ao tema. “Já passei por isso antes, quando era estudante, quando era jovem”, disse a presidente de 63 anos. Ela também usou o vocabulário woke para condenar como “revitimização” a divulgação das imagens em que aparece sendo assediada no meio da multidão, aos olhos literalmente do mundo. Nesse caso, excepcionalmente, tem razão. Nem ela nem nenhuma mulher merece ser definida por um abuso.