Enquanto escrevo esta coluna, centenas de pessoas em mais de 30 municípios foram, em alguma medida, vitimizadas por ingerir metanol. A situação gerou um alerta que o setor de bebidas alcoólicas vem fazendo há anos sobre os riscos do mercado ilegal e a ausência de uma política efetiva de combate à fraude e ao contrabando.
Esse problema não é exclusivo de bebidas alcoólicas. O setor de cigarros é outro que sofre com o mercado ilegal, sendo o produto mais contrabandeado do Brasil, e que correspondeu a 40% do total de mercadorias confiscadas no Brasil em 2024. Estudos recentes indicam que o comércio ilegal de cigarros é superior, até mesmo, ao comércio regular. Numa piada pronta, em SP noutro dia se fechou uma fábrica que falsificava cigarros paraguaios – de tão relevante o market share desse produto ilegal.
Os dois produtos têm em comum uma brutal carga tributária que, sob o argumento da seletividade, ou seja, do aumento artificial dos seus preços por conta dos tributos, desincentivariam o seu consumo. Tanto assim que serão alvos do novo Imposto Seletivo criado na reforma tributária.
Esse é um dos melhores exemplos da máxima de que a diferença entre o remédio e o veneno está na dose – sem trocadilhos. No intuito de reduzir o consumo de bebidas e cigarros por meio da carga tributária, o governo criou um problema muito maior: o fortalecimento do mercado ilegal e a proliferação de mercadorias infinitamente mais danosas à saúde do que aqueles produzidos pelo mercado regular e altamente fiscalizados.
O equilíbrio entre a tributação necessária para desincentivar o consumo de produtos tidos como danosos à saúde e o estímulo a práticas de comercialização ilegal não é dilema exclusivo do Brasil, sendo estudado em todo o mundo. A OCDE reconhece que o risco do contrabando deve ser um dos fatores considerados na definição de tributos seletivos. O problema é que o Brasil parece ver a questão apenas sob o prisma da arrecadação, elegendo cigarros e bebidas como panaceia para o rombo fiscal.
O que se percebe, no entanto, é um resultado diverso do desejado. Os hábitos que se pretende inibir se mantém, o consumo dos produtos tributados cai – porque eles são substituídos por ilegais – e governo perde a arrecadação que teria com a venda produto legal, dado que o ilegal, obviamente, não gera tributo algum. Ou seja, o aumento exagerado da carga tributária torna o preço do produto regular proibitivo, e o resultado não é a redução do consumo, mas a busca pelo produto mais barato e, quase sempre, ilegal.
Com isso, o governo enfrenta desafios muito maiores que o vício localizado: além de perder a batalha contra o consumo de produtos regulares, observa, sem reação, as mortes causadas pelos produtos ilegais e o clima de pavor criado pelas bebidas falsificadas. A reação do Congresso é simplória: aumentar as penas dos crimes de falsificação de bebidas – medida que, ainda que positiva, não resolverá o problema enquanto esses produtos forem hipertributados.
É necessária uma revisão séria e técnica sobre o tema do contrabando. A política de tributar determinados produtos, sem um parâmetro adequado, já se mostrou fracassada, e a insistência no tema por meio do Imposto Seletivo tende a agravar ainda mais o desafio do mercado regular de sobreviver em meio a uma política que estimula a sonegação e a ilegalidade e fortalece o crime organizado.
Que se promovam as medidas propostas pela Câmara e que haja maior fiscalização e punição aos produtores de produtos ilegais. Mas também é essencial a imediata revisão das políticas fiscais de seletividade de produtos, sob pena de afastar o mercado legal e nos colocar à mercê do crime organizado, que se fortalece e enriquece cada vez mais.