A Associação Brasileira da Indústria de Embalagens de Aço (ABEAÇO) recorreu ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) para que seja feita uma avaliação sobre o interesse público da tarifa imposta pelo Brasil às folhas metálicas de aço importadas da China. A tarifa em vigor desde agosto deste ano coloca em campos opostos a associação e a CSN, única produtora nacional das folhas metálicas de aço, e responsável pelo pedido de sobretaxa ao produto chinês.
A associação quer a retirada imediata da sobretaxação e embasa seus argumentos com dois estudos entregues ao governo e cujos resultados VEJA teve acesso com exclusividade. Os documentos indicam que a Tarifa Antidumping (AD) Definitiva deve gerar um impacto de 6,6 bilhões de reais no custo dos alimentos enlatados nos próximos cinco anos.
Os relatórios são da Tendências Consultoria e LCA Consultores e mostram que o aumento de preços pode chegar a 6,3% em itens da cesta básica, como sardinha, legumes em conserva e leite em pó. O cálculo atualizado indica que a tarifa obriga famílias pobres a renunciar ao equivalente a mais de um mês de seu consumo habitual de enlatados.
“Estamos falando de itens que não são supérfluos. São alimentos essenciais para milhões de brasileiros”, diz Thais Fagury, presidente da Abeaço. “A tarifa é regressiva, ineficiente e incompatível com a agenda de redução de desigualdade que o próprio governo abraça”, diz.
Segundo os estudos apresentados ao governo, a embalagem tem peso relevante no custo dos alimentos afetados: ela representa 26% do preço da sardinha e 15% do custo do leite em pó. A análise projeta ainda uma perda de R$ 463 milhões no PIB e a eliminação de 4.669 postos de trabalho na cadeia a jusante. O dossiê também cita falhas de qualidade atribuídas à única produtora nacional, a CSN, com relatos de furos em 44% das folhas metálicas avaliadas como fora de conformidade.
Custo do produto chinês subiu mais de 30%
A tarifa antidumping sobre a China foi imposta a pedido da CSN, em 2024. O processo foi avaliado durante 18 meses e a sobretaxa aplicada. A empresa contesta as conclusões e afirma que a alegação de que não consegue suprir o mercado “é absurda” e que o impacto no preço dos alimentos é “praticamente nulo”.
Com a tarifa, o aumento foi superior a 30% no custo do aço importado. Os principais fornecedores desses produtos ao Brasil são China, Japão, Alemanha e Países Baixos. “Se a tarifa for estendida a essas novas origens, causaremos um colapso no abastecimento da nossa indústria”, diz a presidente da Abeaço.
O mercado de embalagens de aço é grande e gira em torno de 7 bilhões de unidades/ano, o que consome cerca de 350 mil toneladas de aço. A Abeaço tem 20 empresas associadas atualmente e representa aproximadamente 70% desse mercado. Atualmente, a maior fabricante de latas de alimentos no Brasil é a JBS.
Um dos argumentos utilizados para convencer o governo analisar o interesse público da tarifa é o fato de que as importações não caíram, ainda que o produto esteja mais caro. “Essa é a prova cabal de que o aço da CSN não é substituto viável em termos de qualidade, tecnologia e, principalmente, prazo e condições de pagamento”, diz a presidente da Abeaço. Segundo a executiva, o produto nacional, em muitos casos, é entregue fora do padrão de qualidade exigido pela indústria alimentícia, “Com furos e resistência inadequada das folhas de flandres”, diz.
“É absurdo”, diz diretor executivo comercial da CSN
Procurada por VEJA, a CSN rejeita as afirmações da Abeaço. “É absurdo. Não corresponde à realidade”, diz o diretor comercial executivo Luis Fernando Martinez, que reforça que a empresa tem capacidade instalada de 800 mil toneladas, mais que o dobro do consumo brasileiro. “É matemática: não há problema de capacidade. Temos capacidade ociosa.”
Segundo o executivo, com o tarifaço e a impossibilidade de exportação do produto, a empresa tem concentrado esforços no mercado interno. “Temos condição de atender todo o Mercosul”. O produto também diz que a qualidade do produto da CSN é incontestável. “O produto tem padrão internacional. As embalagens brasileiras recebem prêmios, inclusive reconhecidos pela própria Abeaço”.
A companhia afirma que os estudos privados superestimam a participação do aço no custo dos alimentos. Segundo nota oficial também enviada a VEJA, a embalagem representa “pouco mais de 10%” do custo da sardinha, e o aço é apenas uma parte desse valor. Por isso, diz a empresa, “o impacto ao consumidor é praticamente nulo”.
A CSN cita dados do processo oficial de defesa comercial conduzido pela Secex/MDIC, segundo os quais o efeito da tarifa sobre o IPCA seria da ordem de 0,001 ponto percentual, valor considerado “estatisticamente desprezível”.
A empresa também questiona a metodologia usada pelas consultorias contratadas pela Abeaço. Para a siderúrgica, os modelos de bem-estar utilizados “não são adequados” para mercados afetados por dumping, sobrecapacidade e práticas desleais, condições presentes no comércio internacional de aço. “Os resultados simplesmente não têm validade econômica nessas circunstâncias”, diz a nota.
A CSN também afirma que entregou ao governo um estudo elaborado pelo professor Gesner de Oliveira, professor da FGV, que analisou dados reais durante a vigência do direito provisório. Segundo o levantamento, o impacto sobre o preço dos enlatados variou entre 0,05% e 0,22%, muito abaixo das projeções da Abeaço.
A empresa diz ainda que a China enfrenta medidas de defesa comercial “em praticamente todos os mercados relevantes”, e que retirar a proteção no Brasil aumentaria o risco de “desindustrialização e substituição definitiva da produção nacional por dependência externa”.
A nota destaca ainda que o processo de antidumping no Brasil “foi técnico, amplo e transparente”, conduzido ao longo de quase dois anos com participação de todos os setores envolvidos. “Passamos por todos os ritos técnicos previstos. Houve comprovação de dumping, nexo causal e dano”, diz Martinez.