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A novela da Globo que foi acusada de ajudar a eleger Fernando Collor

Misturar ficção e realidade é o cerne da teledramaturgia brasileira. Alguns folhetins se destacaram na adaptação, como Que Rei Sou Eu?, exibida na TV Globo em 1989, em pleno processo de redemocratização do Brasil, logo após a ditadura militar. Criada por Cassiano Gabus Mendes (1929-1993) e dirigida por Jorge Fernando (1955-2019), a trama era ambientada em clima de realeza e repleta de sátiras políticas, críticas veladas e personagens que beiravam à realidade da época, e acabou sendo tema de estudo fora das telas. Após assistir à reprise da produção no antigo Canal Viva, em 2012, o jornalista, cientista político e sociólogo Bruno Filippo, 47 anos, ficou impactado pelo assunto e decidiu que a obra merecia um estudo, mesmo não sendo um noveleiro “raiz”. Em Que rei sou eu? – Política e novela no Brasil (ed. Topbooks), o autor faz uma análise do folhetim, que conseguiu desagradar tanto a direita quando a esquerda ao falar sobre corrupção, miséria, intrigas, exploração do povo e luta pelo poder. “A esquerda acusou a novela de ajudar a eleger Fernando Collor“, contou Filippo à coluna GENTE. Na conversa, o jornalista, que era criança na época da exibição original da novela, traz os paralelos com o Brasil em redemocratização, analisa a originalidade da obra de Cassiano e opina sobre um possível remake de Que Rei Sou Eu?.

Por que escolheu essa novela como ponto de partida para falar de política e teledramaturgia? Constatei que estava diante de uma obra totalmente singular e resolvi me aprofundar no estudo dessa novela e sua relação com a realidade brasileira.

O que essa novela revela sobre a capacidade da teledramaturgia brasileira de tensionar os momentos políticos do país? Que rei sou eu? não foi a primeira a tratar da realidade política brasileira, mas foi a mais original. A originalidade reside no fato de que o contexto político da trama estava em primeiro plano, ao passo que, em outras obras, mesmo aquelas com forte conteúdo político, os conflitos individuas das personagens, como paixões, romances, intrigas e traições, é que estão em evidência. A teledramaturgia brasileira sempre foi pródiga em tratar de questões políticas.

Quais os paralelos entre o Brasil da redemocratização e esta obra de ficção? A novela se passa em um reino europeu de fins do século XVIII, mas trata da realidade brasileira da década de 1980. Assim, cenários e figurinos retratam uma época pretérita, mas a trama é atual. Fala de corrupção, de miséria, de inflação, de planos econômicos fracassados, de exploração do povo, de conflitos políticos, de eleição, de FMI, da Amazônia – enfim, de toda a pauta do Brasil da redemocratização.

Qual foi o impacto do fim da censura na forma como as produções de TV passaram a abordar temas políticos? Havia novelas com forte conteúdo político na ditadura militar – O Bem-amado (1973), Selva de Pedra (1972), Cabocla (1979), Saramandaia (1973), mas a censura se fazia presente, cortando diálogos. Chegou a proibir a exibição da primeira versão de Roque Santeiro, em 1975. O fim da ditadura e, logo depois, o fim da censura federal foi um alívio para os autores e emissoras. Que rei sou eu? é fruto desse contexto de abertura política, posto que a ideia de exibi-la data dos anos 1970, mas a Globo à época a vetou por conta da censura que acabara de tirar do ar Roque Santeiro.

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Na sua visão, até que ponto os folhetins influenciam o imaginário político do brasileiro, e quando isso se torna perigoso ou produtivo? As novelas – principalmente as que têm forte conteúdo político – retratam a realidade e, ao mesmo tempo, num processo dialético, ajudam a moldar o imaginário político do brasileiro. Isso é produtivo, porque leva à conscientização dos nossos problemas, mas pode tornar-se perigoso quando tenta induzir o telespectador a, por exemplo, a aderir a uma corrente política.

O que mais te surpreendeu ao pesquisar a relação entre ficção televisiva e realidade política no Brasil? Foi constatar a força das novelas ao abordar questões políticas. Em Que rei sou eu? isso chegou ao paroxismo. A trama desagradou à direita e à esquerda. A direita se incomodou porque temeu que ela, ao tratar da luta política dos rebeldes de Avilan contra os governantes corruptos, influenciasse o povo brasileiro a revoltar-se contra os governantes. Já a esquerda acusou a novela de ajudar a eleger Fernando Collor, pela associação do protagonista, vivido por Edson Celulari, com o candidato. Não nos esqueçamos de que em 1989, ano de exibição da novela, aconteceu a primeira eleição presidencial depois do fim da ditadura militar.

Novelas ainda têm força para influenciar o debate político hoje? Mesmo com a crise de audiência, sim. A capacidade de repercussão continua grande. Resta saber se, em um país tão polarizado, as emissoras estão dispostas a investir em novelas com forte conteúdo político. Já me perguntaram se seria possível hoje um remake de Que rei sou eu?. Confesso que acho difícil que isso ocorra.

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Por quê? Se em 1989 a novela desagradou a esquerda e a direita, ambas acusando a Globo de proselitismo político, hoje o potencial explosivo é muito maior. 

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