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A nova ameaça à dinastia francesa da Borgonha no reino dos vinhos brancos

A alternância de poder, mesmo nas dinastias, é uma realidade: de tempos em tempos, a coroa troca de cabeça. O mundo dos vinhos não foge à regra e quem se encontra sob ataque é a meca das uvas brancas, os Chardonnays da Borgonha. Por anos, eles foram (e continuam) sendo os mais desejados de todo mundo, com seus Chablis vendidos antes mesmo da produção e disputados por consumidores de todos os continentes. De uma década para cá, no entanto, apareceu concorrência da pesada. Primeiro, vieram os vinhos feitos com a uva Riesling, com o seu característico aroma de querosene. Esses rótulos caíram nas graças dos críticos, sommeliers e, consequentemente, do público. Não bastasse, surge agora outra ameaça ao reinado francês das uvas brancas. “A próxima variedade que deve se destacar como tendência no mundo do vinho é a Albariño”, afirma Christian Burgos, publisher da revista Adega.

A Albariño é bastante comum no norte de Portugal, onde é conhecida como Alvarinho, e no Uruguai, mas há um lugar onde ela tem produzidos vinhos com esplendor. Esse terroir é apontado como a nova meca dos vinhos brancos: Rías Altas. Ela está situada na pitoresca Galícia, Espanha, aquele pedaço de terra ao norte do país, antes de o continente fazer a curva. O lugar é um tesouro de clima atlântico e de paisagens deslumbrantes. A região foi abraçada por grandes marcas, como a Murrieta, ícone de Rioja, que lançou seu branco de Albariño de uvas cultivadas na região. Recentemente, a vinícola ícone de Ribeira del Duero, Vega Sicilia, anunciou que já havia comprado vinhedo na região e estava vinificando Albariño. A produção começou de forma secreta. O projeto deu certo e o vinho será lançado em 2026. “Quando uma região começa a receber reconhecimento de grandes produtores isso mostra que ela vai explodir. Rías Baixas deve se tornar a nova Borgonha graças aos Alvarinhos e vinícolas de grande prestígio levando a marca da região em seus vinhos ícones”, diz Burgos.

A exemplo da Borgonha, o terroir de Rías Altas é bastante demarcado. Ali, um vinhedo pode ter vários proprietários, cada um é dono de uma fileira de vinhas, o que se dá o nome de parcela. De um desses pedaços de terra brotou um dos brancos mais pontuados pelo guia Adega Espanha, nos últimos dois anos. Trata-se do Sketch, um Alvariño produzido por Rául Pérez, enólogo espanhol famoso por seu trabalho na região de Rías Baixas, que valoriza as uvas autóctones (nativas da região) e técnicas tradicionais.

Ele ficou conhecido como o “mago” devido à sua habilidade excepcional em transformar uvas e terroirs em vinhos de alta complexidade, finesse e personalidade. Alcunha que reflete sua criatividade e a capacidade impressionante de revelar o potencial máximo de cada safra, muitas vezes surpreendendo com resultados inovadores e impressionantes. O visual de Pérez combina com a fama de mágico: baixinho e com o rosto ostentando uma enorme barba branca, Pérez lembra um personagem saído da saga O Senhor dos Anéis.

Aos 53 anos, ele trabalha desde os 17 na vinícola da família, a contragosto, pois queria tentar carreira na medicina. Ele abandonou o sonho de vestir um jaleco porque não havia mais ninguém em casa capaz de seguir com o negócio. Da sua boca você nunca vai ouvir aquele discurso empolado e arrogante que muitos profissionais costumam arrotar sobre a qualidade de um vinho. No lugar disso, o enólogo de olhos tímidos oferece suas preciosidades quase pedindo desculpas. “Este não é um vinho para intelectuais porque é fácil de beber”, disse Pérez em uma masterclass no lançamento do guia Adega Espanha, na quinta, 21 em São Paulo. O vinho em questão era o Ultreia Saint Jacques, um tinto de Mencia, uva típica do Bierzo, região onde nasceu Peréz. Esse povoado provavelmente tem a maior taxa per capita de vinícolas do planeta. São 52 moradores para dezessete vinícolas. Outra curiosidade: o nome do vinho, Ultreia, é uma expressão de origem latina usada pelos peregrinos de Compostela, quando se cumprimentam e incentivam uns aos outros para ir além.

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Pérez é atualmente o enólogo que mais influencia a nova geração de produtores de vinhos, além de ser constantemente consultado pelos já consagrados, como Don Pablo Alvarez, CEO da Vega Sicilia. Um trecho de um documentário que está para ser lançado em streaming pode ser visto na página de Pérez no Instagram. Em uma das cenas, ele surge chorando ao receber a notícia de que La Muria 2023, vinho produzido a partir de uvas provenientes de vinhas velhas de Mencia, do Bierzo, havia recebido 100 pontos de crítico americano Robert Parker. “Me senti pequenino e muito feliz por ser a vinha do meu povoado”, disse à coluna AL VINO pouco antes da sua masterclass em São Paulo.

As primeiras vinhas da família de Pérez foram compradas em 1752, quando a igreja começou a vender suas terras na Espanha. As vinhas só tiveram contato com herbicidas e produtos químicos em períodos de pós-guerra, quando havia muita escassez de recursos e de pessoas para trabalhar no campo. Hoje, seus vinhos são naturais, no vinhedo e na produção. O que o torna ainda mais celebrado pelas novas gerações, com quem ele faz questão de compartilhar seu conhecimento. Sua postura é a antítese dos maneirismos do enochato. Para ele, o vinho faz parte da cultura e da história de seu povoado, para onde ele faz questão de voltar sempre que pode.

Degustar um vinho de Rául Pérez é embarcar em uma viagem sensorial pela Galícia, onde o caráter atlântico e a paixão de seu criador se encontram em perfeita harmonia. São vinhos muito frutados e com envelhecimento em barricas de madeira velha, que podem ter de 6 a 20 anos. São mesmo vinhos fáceis de beber, mas, ao mesmo tempo, únicos e, portanto, complexos. Para aqueles que desejam explorar o mundo dos vinhos com um toque de magia, Rías Baixas, guiada pelo talento de Pérez, é um destino indispensável.

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