Nas eleições de 2022, os governadores conseguiram cravar uma marca inédita na história da democracia brasileira: dezoito dos vinte chefes de Executivos estaduais que tentaram um novo mandato saíram das urnas vitoriosos, a maior taxa de reconduções ao cargo (90%) já registrada no país. Menos de quatro anos depois, a grande maioria dos políticos que protagonizaram esse feito, no entanto, está às voltas com grandes dificuldades para emplacar — ou até mesmo para encontrar — aliados competitivos capazes de garantir a manutenção de seu grupo político à frente dos estados. Levantamento feito por VEJA mostra que, faltando menos de um ano para a votação, dez deles apoiam candidatos que estão atrás dos concorrentes nas pesquisas e cinco ainda não sabem nem quem vão defender na disputa eleitoral do ano que vem.

O desafio se impõe até mesmo a governadores com boas aprovações de seus mandatos e que alimentam projetos eleitorais ambiciosos. É o caso de três que já manifestaram a intenção de disputar a Presidência da República. Em Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) apontou o dedo há tempos para o seu vice, Mateus Simões, mas o escolhido, que há poucos dias trocou o Novo pelo PSD com as bênçãos do cacique Gilberto Kassab, chega a 5,9% das intenções de voto, em quinto lugar, segundo levantamento do Paraná Pesquisas de outubro. Outros dois presidenciáveis, Eduardo Leite (Rio Grande do Sul) e Ratinho Jr. (Paraná), ambos do PSD, ainda não escolheram quem vão apoiar. No caso do gaúcho, o favorito é o vice-governador Gabriel Souza (MDB), que, segundo pesquisa Real Time Big Data de outubro, tem 4% e está em quarto lugar. Já Ratinho Jr. está indefinido entre três nomes do PSD: o secretário Guto Silva, o ex-prefeito Rafael Greca e o presidente da Assembleia, Alexandre Curi. Nenhum rompe a casa dos dois dígitos em pesquisas recentes.
Nos dois maiores colégios eleitorais do país, também paira a indefinição. No Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), com a popularidade alavancada pela guerra contra o Comando Vermelho, não pode disputar a reeleição e não tem ainda um candidato para chamar de seu. Em São Paulo, se Tarcísio de Freitas (Republicanos) decidir concorrer à recondução ao cargo, como vem declarando, as pesquisas mostram o caminho livre para uma vitória tranquila. Sem ele, no entanto, a direita estaria em apuros: a figura mais bem colocada em pesquisas é o prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), que, apesar de ter boa aprovação entre os paulistanos, poderia ter uma disputa acirrada se o seu adversário fosse o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). O favoritismo de Tarcísio também se explica pelo fato de o eleitorado paulista ter uma tendência histórica à reeleição — foi assim com os sucessivos governos do PSDB, que desde Mario Covas, em 1994, construiu uma hegemonia que durou quase trinta anos e só foi quebrada em 2022, justamente por Tarcísio.
O pendor para manter quem está no cargo não é exclusividade do eleitor paulista. Um indicador disso é que, dos nove governadores que podem disputar a reeleição, seis estão liderando as pesquisas: além de Tarcísio, compõem a lista Elmano de Freitas (PT), do Ceará; Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina; Rafael Fonteles (PT), do Piauí; Eduardo Riedel (PP), de Mato Grosso do Sul; e Fábio Mitidieri (PSD), de Sergipe. Outros três enfrentam dificuldades: Jerônimo Rodrigues (PT), da Bahia; Raquel Lyra (PSD), de Pernambuco; e Clécio Luis (Solidariedade), do Amapá.
Relativamente nova no Brasil, a reeleição foi instituída na lei em 1997 e tornou-se uma espécie de avaliação de governo, criando um “voto de confiança” como alternativa à troca de rumo a cada quatro anos. Desde então, a recondução ao cargo é mais uma regra do que exceção no país. Em geral, o candidato que está no cargo tem vantagem na corrida. Ele pode valer-se, por exemplo, da máquina pública, da visibilidade da função e da proximidade com as bancadas na Câmara e no Senado. “Com o crescimento das emendas, o governador que possui boas relações com congressistas atua como facilitador de recursos repassados aos prefeitos, elevando sua popularidade nos municípios do interior”, avalia o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV. Para o diretor do Paraná Pesquisas, Murilo Hidalgo, a nova dinâmica orçamentária do país dificulta o surgimento de outsiders. “Com o volume de emendas que os parlamentares têm hoje, e mais recursos no caixa dos estados e municípios, ficou muito complicado para figuras de fora da política”, afirma.

Os cenários atuais não são, claro, uma previsão de futuro, mas retrato de um momento específico da campanha. Há muitas variáveis que podem influir na maratona eleitoral. Um fator a ser levado em conta, por exemplo, é que em alguns estados o governador atual deixará o cargo em abril, prazo máximo para poder concorrer a uma posição diferente em outubro, deixando o caminho livre — e o poder da máquina pública — para o vice e candidato a sucessor. São os casos de Mateus Simões em Minas Gerais; de Gabriel Souza no Rio Grande do Sul; de Hana Ghassan (MDB), vice de Helder Barbalho, no Pará; e Ricardo Ferraço (MDB), vice de Renato Casagrande, no Espírito Santo, que terão seis meses para mostrar serviço e virar o jogo, hoje desfavorável, nas pesquisas. Outros dois já estão em boa posição nas sondagens e podem abrir dianteira a partir do momento em que assumirem os estados: Daniel Vilela (MDB), vice de Ronaldo Caiado, em Goiás; e Celina Leão (PP), a número dois de Ibaneis Rocha (MDB), no Distrito Federal. Caiado e Ibaneis, ao lado de Paulo Dantas (MDB), de Alagoas — que apoia o ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), para sua sucessão —, formam o seleto trio de governadores que têm os seus indicados liderando as corridas eleitorais.

Outro fator que deve influir na corrida é a exposição crescente dos nomes até a campanha. Faltando pouco menos de um ano para a eleição, as pesquisas refletem principalmente o nível de conhecimento pelo eleitor de cada um dos pré-candidatos, na avaliação de Yuri Sanches, diretor político da AtlasIntel. Ele lembra, por exemplo, a arrancada do governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), que, em sua primeira eleição, derrotou o favorito ACM Neto (União). “Em 2021, ninguém sabia quem ele era”, relembra. Segundo ele, nomes com alinhamento ideológico mais claro levam vantagem, mesmo se forem lançados mais tarde. “Candidatos de partidos como PT ou PL, por exemplo, têm um piso eleitoral alto. Ainda que eles não sejam conhecidos, por serem daquela sigla, eles já começam nas pesquisas com uma boa porcentagem de intenções de voto, porque o eleitor consegue ter uma identificação ideológica com ele”, diz. Especialistas também veem a corrida eleitoral cada vez mais precoce, o que prejudica as projeções de cenários mais conclusivos e pode representar um erro estratégico para os candidatos. “Escolher o sucessor com antecedência dá mais tempo ao governador para promover o aliado, mas também indica uma entrada na disputa sem ideia de quem serão os adversários”, avalia Ana Claudia Santano, diretora-executiva da Transparência Eleitoral Brasil.
Independente de os atuais governadores fazerem ou não os seus sucessores, o Brasil que sairá das urnas não deverá representar uma grande ruptura, como ocorreu em 2018. Naquele ano, em cenário parecido com agora, vinte chefes de Executivos estaduais tentaram a reeleição, mas só dez tiveram sucesso — uma taxa baixíssima de 50%. Das urnas saíram vitoriosos políticos que disputavam as suas primeiras eleições, como Romeu Zema (Minas Gerais), Wilson Witzel (Rio de Janeiro) e Carlos Moisés (Santa Catarina) — boa parte da turma foi alavancada pela onda bolsonarista. “Será uma renovação de nomes, não necessariamente de ideias”, diz Lucas Thut Sahd, diretor do Real Time Big Data.

A indefinição que paira em boa parte dos estados importantes, no entanto, pode influenciar as eleições nacionais. A formação de palanques consistentes será decisiva tanto para a corrida presidencial quanto para a batalha pelo Congresso, em especial pelo Senado, que renovará dois terços de suas cadeiras. A entrada definitiva em campanha de governadores com alta aprovação de seus mandatos — como Ratinho Jr., Romeu Zema e Helder Barbalho — e consagrados pelas urnas na reeleição histórica de 2022 tem poder para chacoalhar o tabuleiro eleitoral.
Publicado em VEJA de 7 de novembro de 2025, edição nº 2969
