counter A maturidade do menino de ouro – Forsething

A maturidade do menino de ouro

Numa entrevista em junho de 2024, semanas antes de indicar Gabriel Galípolo como futuro presidente do Banco Central, o presidente Lula da Silva o qualificou como um “menino de ouro”. À época, a taxa Selic estava em 10,5% ao ano e havia uma expectativa dentro do Planalto e do mercado de que a taxa poderia cair a um dígito ao longo do ano. O vento virou e nesta quarta-feira, já com a Selic a 15%, Galípolo comandou a sua sétima reunião como presidente do BC adiando o início do ciclo de cortes para 2026. Pela terceira reunião consecutiva, o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a Selic em seu maior patamar desde 2006.

No comunicado, o Copom advertiu que as incertezas do cenário econômico exigem uma política monetária em patamar “significativamente” contracionista por um período de “bastante” prolongado. O comunicado é cheio de “mas”. O crescimento da atividade segue apresentando moderação, MAS o mercado de trabalho ainda mostra dinamismo. A inflação cheia e as medidas subjacentes apresentaram algum arrefecimento, MAS mantiveram-se acima da meta. O BC considera que as expectativas continuam desancoradas, as projeções de inflação continuam elevadas, a atividade econômica resiliente e o mercado de trabalho pressionado.

Traduzindo o idioma do BC para a vida prática, o mercado compreendeu que o ciclo de cortes de juros só se inicia em março.

A checar pelas declarações governistas seria possível supor que a relação do Planalto com o BC está perto de uma crise. Não está. Vamos primeiros às declarações:

Lula, 3 de novembro, um dia antes do Copom:

“Nós temos um problema com a taxa de juros que está alta. E nós vamos ter que cuidar para que ela baixe um pouco mais porque a gente precisa ter consciência de que inflação baixa e juro baixo significam crescimento, significam geração de emprego, significam melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro e, disso, eu não abro mão”

Continua após a publicidade

Fernando Haddad, ministro da Fazenda, dia 4, primeiro dia do Copom:

“Não tem como sustentar 10% de taxa de juros real. Com inflação a partir de 4,5%, você vai sustentar um juro a 15%?”

“Eu não sou diretor do Banco Central. Se eu fosse, eu votava pela queda”.

Fernando Haddad, dia 5, segundo dia do Copom:

Continua após a publicidade

“Aqui no Brasil o debate (sobre a taxa de juros) não é bem recebido, como se fosse um tabu conversar sobre economia. Eu tenho alergia à inflação e sei o que ela provoca, mas tem uma questão de razoabilidade. A dose do remédio, para se transformar em veneno, tem muito pouca diferença”.

Geraldo Alckmin, vice-presidente, 6 de novembro, depois da reunião:

“O grande problema é a taxa de juros muito elevada. Esperamos que na próxima reunião do Copom ela já comece a curva de redução. Ela retrai a atividade econômica, especialmente em bens duráveis e custo mais alto”.

Gleisi Hoffmann, ministra de Relações Institucionais, 7 de novembro:

Continua após a publicidade

“Obviamente, quando o Galípolo entrou, a gente teve condescendência. Sabíamos que tinha duas contratações para o Copom aumentar os juros. Achávamos que, ao termos indicadores econômicos que são positivos, o Banco Central começaria a ter cortes na taxa de juros, porque nada justifica os juros de quase 10% real. É um absurdo, não tem paralelo no mundo. Mas, infelizmente, não está sendo essa a postura do Banco Central. Eu acho que estão mais realistas do que o rei. E aí, a gente tem de debater, sim. É uma instituição independente, então, tem de fazer pressão. Não pode deixar só o mercado pressionar. Por que só o mercado pressiona o Banco Central a subir a taxa de juros?”

“Você tem o Brasil crescendo, você está com geração de emprego, você tem inflação sob controle. Ela não está no centro da meta, mas meta de 3% também é bem apertada. Então você já tem uma inflação que está mostrando que vai cair para baixo da banda superior. Para que continuar com uma política monetária tão restritiva? Isso tem impacto na nossa indústria, no crédito, no crescimento do País. Para que isso? Nós estamos nos autopunindo? É só para entender. Então, eu acho que o Galípolo deixou a desejar”.

O teste real sobre a relação do Planalto com Galípolo não está nas declarações dos ministros, mas nas atitudes de Lula. Um mês atrás, foi Galípolo a estrela no lançamento do novo modelo de crédito imobiliário, resultado de uma mudança nas regras do BC na liberação dos compulsórios bancários. Nos próximos dias, o governo indica os novos diretores do BC

É mais fácil ganhar dinheiro no jogo do tigrinho do que o governo (este e qualquer outro, a bem da verdade) aceitar a sua responsabilidade na altas taxas de juros. No caso de Galípolo, porém, havia um pedágio inicial: desde a gestão de Alexandre Tombini no governo Dilma Rousseff, a confiança do mercado num banqueiro central do PT era menor do que a torcida do Fluminense no seu ataque. Galípolo precisava se mostrar duas vezes mais duro do que um banqueiro central padrão para ter credibilidade no mercado. Ele conseguiu.

Continua após a publicidade

Mas Galípolo não conseguiu só isso. O Brasil atravessa um feel good factor: o dólar caiu 14% desde o início do ano, a inflação está em queda, o desemprego está no seu índice mais baixo, a queda do PIB foi menor que o esperado, o Ibovespa está em nível recorde. Nenhum desses índices é responsabilidade apenas do BC, mas nenhum estaria bem se o BC de Galípolo não estivesse operando.

Galípolo não está entregando ao governo Lula uma queda de juros, mas algo mais valioso: credibilidade. Ao contrário do medo inicial do mercado, o modelo não é Tombini, mas Henrique Meirelles. Hoje é a dureza do BC que faz do mercado leniente com as várias brechas do arcabouço fiscal e da gastança desenfreada do Congresso. No ano que vem, essa mesma dureza pode atenuar o ímpeto de quem vier a apostar contra o Brasil se Lula virar favorito. O BC de Galípolo desagrada os ministros, mas deve entregar um 2026 com menos turbulência.

Publicidade

About admin