Mesmo além-túmulo, Jeffrey Epstein já fez o príncipe Andrew deixar de ser príncipe e, fora o seu próprio, provocou dois suicídios importantes: o de Virginia Roberts Giuffre, a mais conhecida das mulheres que denunciaram abusos quando eram adolescentes, e de um associado, um francês dono de uma agência de modelos envolvido em acusações de estupro (como o milionário americano, estava preso quando tirou a própria vida). Irá a maldição de Epstein atingir Donald Trump, como tanto desejam seus inimigos?
“Eu sou o único capaz de derrubar Trump”, jactou-se Epstein numa troca de e-mails com um interlocutor não identificado. Não é impossível, embora no momento pareça improvável.
A longa relação de amizade de Trump com Epstein, rompida por iniciativa do primeiro, é o ponto mais fraco das muitas vulnerabilidades do presidente americano.
Toda a opinião pública, inclusive a trumpista, tem a impressão de que ainda faltam informações importantes a serem reveladas por Epstein e os muitos poderosos e influentes de quem buscava se aproximar, inclusive oferecendo os serviços sexuais do harém de meninas lindas e muito jovens do qual ele se cercava.
‘HORAS COM ELE’
Cerca de cem deputados republicanos estão dispostos a votar, na semana que vem, pela divulgação de todo o material conhecido sobre Epstein em posse do Departamento da Justiça.
A oposição democrata, como corresponde a seu papel fiscalizador, está divulgando e-mails que os herdeiros de Epstein foram intimidados a entregar a uma comissão de inquérito.
É claro que os e-mails divulgados foram isolados para comprometer Trump ao máximo, principalmente num trecho em que Epstein diz que Virginia Roberts Giuffre “passou horas em casa com ele”.
A revelação consta de uma conversa por e-mail com Michael Wolff, autor de dois livros altamente negativos sobre Trump, nem sempre com informações comprovadas.
CORDA PARA SE ENFORCAR
Numa conversa datada de 2015, Wolff estava aconselhando Epstein sobre como agir no caso de Trump – por interesse em prejudicar o futuro presidente ou para ficar bem com Epstein ou até ser recompensado? Isso ainda não se sabe.
Wolff revela a Epstein que a CNN pretendia perguntar a Trump sobre o ex-amigo numa entrevista ou na conversa informal depois dela.”Se nós fôssemos lapidar uma resposta para ele, como você acha que devia ser?”, pergunta Epstein.
“Acho que você deveria dar corda para ele se enforcar. Se ele disser que não esteve no avião ou na casa, isso dá a você uma moeda política poderosa. Você pode enforcá-lo de uma maneira que gere potencialmente um benefício para você, ou, se parecer que ele pode ganhar, você pode salvá-lo, deixando-o na posição de devedor”.
É, definitivamente, uma conversa de chantagista da qual Wolff pretendia tirar vantagem oferecendo conselhos a um milionário que poderia se beneficiar deles. Isso sete anos depois de Epstein ter sido condenado por induzir menores à prostituição. É um sinal evidente de que Wolff não tem padrões morais respeitáveis.
‘ACABAR COM ELE’
Num e-mail a Epstein datado de outubro 2016, quando Trump estava abalado por um vídeo em que aparecia fazendo comentários degradantes sobre mulheres e como deixam famosos fazer qualquer coisa, ele sugere que Epstein tire vantagem. ‘É uma oportunidade para você vir a público esta semana e falar sobre Trump de tal maneira que vai conquistar grande simpatia para você e ajudar a acabar com ele”.
Note-se que “acabar com ele” é o objetivo de Michael Wolff, mas não necessariamente o de Epstein. Ao contrário, seria bom ter o ex-amigo na Casa Branca, pensando em vantagens futuras a serem extorquidas. Epstein também revela um tom megalomaníaco, tendo enviado um e-mail ao norueguês Thorbjorn Jagland, na época presidente do Conselho da Europa, com uma mensagem que só pode ser considerada coisa de maluco: propunha que o líder político, ex-primeiro-ministro, sugerisse a Vladimir Putin que seu chanceler, Sergei Lavrov, poderia entender Trump “se falar comigo”.
Sobre as “horas” que, segundo Epstein, Trump passou com Virginia: ela deu inúmeros depoimentos a respeito dos três encontros sexuais que teve com Andrew, o filho da rainha que estupidamente mantinha o que imaginava ser “amizade” com o milionário abusador. Também denunciou um dos mais conhecidos advogados americanos, Alan Dershowitz, que prestava serviços a Epstein. Foi processada por Dershowitz e teve que se retratar.
Só falou que tinha conhecido Trump, mas não voltou ao assunto, inclusive em seu livro de memórias, publicado postumamente. Teria se sentido intimidada ou nunca aconteceu nada entre eles? Virginia teve uma vida infeliz e não conseguiu aproveitar os 15 milhões de dólares pagos por Andrew – com ajuda da mãe – para acertar o caso sem que nada fosse levado à justiça. Sofreu abuso doméstico, perdeu a guarda dos filhos e se suicidou em abril passado, aos 41 anos. Outras mulheres exploradas na adolescência por Epstein se suicidaram ou morreram de overdose.
MUNDO PERVERTIDO
Epstein tem uma carga de toxidade que se estende bem além da sua morte – ainda hoje posta em dúvida por muita gente que desconfia da explicação sobre o suicídio, cometido quando ele deveria estar sob vigilância de 24 horas, numa cela com roupas de cama de papel e outros equipamentos justamente para evitar que presos tirem suas vidas.
Trump prometeu divulgar tudo sobre o caso quando era candidato, mas agora suas reações têm efeitos negativos sobre a própria base. Antes da divulgação dos e-mails, Michael Wolff havia dito que tinha muitas horas de gravação de conversas com Epstein, feitas com a ideia de escrever um livro. A proximidade dele com um explorador de menores foi, como se comprovou agora, muito além da de um autor entrevistando um personagem a ser biografado. Mas todo mundo gostaria de saber o que ele sabe – e pode comprovar.
A maldição de Jeffrey Epstein continua. Depois de abalar o prestígio já em queda da monarquia britânica, irá ela comprometer Trump irreversivelmente?
Para encerrar: Jean-Luc Brunel era o francês cuja agência de modelos foi bancada por Epstein. Uma operação, obviamente, destinada a vasculhar o mundo, inclusive o Brasil, em busca de meninas bem jovens, lindas e magras que sonhavam com uma carreira nas passarelas e acabaram no bizarro e pervertido mundo de Epstein. Brunel se suicidou em 2022. Por enforcamento, como o americano.
Antes de morrer, Epstein mandou um e-mail para si mesmo, em linguagem confusa, reclamando das práticas comerciais de Trump. A certa altura, diz: “O modelo de negócios dele é colocar o nome dele num projeto imobiliário e ganhar uma comissão por isso”. É – ou foi – mesmo. Mas isso não é crime.
Como tantos outros desequilibrados, Epstein estava obcecado por Trump.