A lichia é daquelas frutas que brilham nas mesas festivas de final de ano. Com pico de colheita em dezembro, vira figurinha carimbada nas ceias, nas sobremesas e até nas saladas. Mas não é só charme de temporada, já que por trás do sabor doce e da casca exótica, a fruta concentra nutrientes que fazem dela uma boa candidata a ir além das festas.
Composta principalmente por água e carboidratos simples, a lichia tem baixo teor de proteínas e gorduras. O ponto alto, porém, está nos micronutrientes. Segundo Camila Carvalho, nutricionista do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a fruta é uma boa fonte de vitamina C. “Ela fornece cerca de 65 a 75 mg por 100 gramas, quantidade capaz de suprir grande parte da ingestão diária recomendada”, explica. Também entram na conta potássio, cobre e pequenas quantidades de vitaminas do complexo B.
Outra curiosidade sobre a lichia é que ela também carrega compostos bioativos com ação antioxidante. Carvalho destaca a presença de polifenóis, como flavonoides — entre eles quercetina e epicatequina —, além de proantocianidinas e ácido gálico. Traduzindo os nomes complicados: são substâncias que ajudam a combater o estresse oxidativo e estão associadas a efeitos anti-inflamatórios no organismo.
Quando o assunto é comparação, a lichia se sai bem frente a frutas mais populares do dia a dia. “Quando comparamos 100 gramas de frutas, a lichia tem mais vitamina C do que a laranja”, diz o nutrólogo Andrea Bottoni, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Mas essa história de comparação é interessante para entender o perfil nutricional, mas não deve virar regra. “O que faz a diferença na nossa saúde é uma alimentação balanceada, equilibrada e variada. Cada fruta tem suas características.”
Por exemplo: mesmo sendo ótima fonte de vitamina C, a lichia tem menos fibras do que frutas como manga e laranja e concentra uma quantidade maior de açúcares naturais — o que pede atenção à porção. Seu índice glicêmico é considerado moderado, e a carga glicêmica depende da quantidade consumida. Para pessoas com diabetes, o consumo pode ser permitido, desde que seja controlado e, de preferência, combinado com fontes de proteína ou gordura, estratégia que ajuda a reduzir o impacto glicêmico após a refeição. “Precisa cautela? Precisa. Mas isso vale para frutas de forma geral”, pondera Bottoni.
Benefícios e formas de consumo
Sobre benefícios à saúde, estudos sugerem contribuição para a função imunológica, muito relacionada ao alto teor de vitamina C, e possíveis efeitos positivos na saúde cardiovascular, ligados aos compostos fenólicos antioxidantes. Há ainda indícios de impacto sobre a microbiota intestinal. “Mas os efeitos dependem do padrão alimentar geral”, ressalta o nutrólogo. “Se alguém come frituras, alimentos muito gordurosos, sobremesas pesadas e depois consome duas lichias, isso não vai compensar.”
O jeito de consumir a fruta também pesa na equação. Segundo a nutricionista Lara Natacci, vice -presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN), a vitamina C é sensível ao calor, à luz e ao oxigênio, o que faz do consumo in natura a melhor forma de preservar os nutrientes. O congelamento, por outro lado, é uma boa alternativa quando a fruta fresca não está disponível, já que as perdas costumam ser pequenas.
Já no formato de suco, o cenário muda um pouco. Além da redução do teor de fibras — mesmo a lichia não sendo uma fruta especialmente rica nesse nutriente —, o preparo facilita o consumo de uma quantidade maior de fruta de uma só vez, concentrando açúcares. O manuseio e o tempo de armazenamento também favorecem a perda de vitamina C.
Quando entra na forma de doces, caldas e sobremesas açucaradas, comuns nessa época do ano, o contraste fica ainda maior. “Essas preparações mantêm boa parte dos compostos fenólicos e antioxidantes, mas aumentam significativamente a densidade calórica”, explica Natacci. Na prática, adiciona-se açúcar, reduz-se vitamina C e o valor nutricional acaba ficando menos interessante, mesmo com a preservação de alguns compostos bioativos.
Apesar dos benefícios, a nutricionista lembra de desfazer um mito bastante comum: o de tratar a lichia — ou qualquer outro alimento — como algo “especial” ou quase medicinal. “Não existe respaldo científico para a ideia de que uma fruta isolada vá emagrecer, desintoxicar ou melhorar a imunidade sozinha”, afirma. Compostos bioativos estão presentes na maioria das frutas, legumes e verduras, mas isso, por si só, não garante efeito clínico.
“No fim das contas, o que pesa mesmo é o conjunto: alimentação equilibrada, variedade no prato e hábitos de vida saudáveis”, reforça Natacci. Dentro desse pacote, incluir a lichia pode, sim, ser uma boa escolha (mas sem expectativas milagrosas).