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A guerra do fim do mundo

Tomo emprestado o título da magistral obra de Mario Vargas Llosa sobre a Guerra de Canudos para comentar o momento nacional. De fato, o Brasil encerra o ano imerso em um clima de guerra institucional — resultado de uma combinação explosiva entre fragilidades estruturais do sistema político e uma sucessão de fatos conjunturais que intensificaram a tensão entre os Poderes. O quadro atual não é fruto de um único episódio, mas da convergência de pressões acumuladas que, juntas, formam um cenário de profunda instabilidade.

A lista de focos de tensão é extensa e abrange tanto aspectos estruturais de nosso sistema político quanto elementos conjunturais que explodiram em espantosa sequência. Estruturalmente, o sistema não comporta a movimentação das placas tectônicas do poder. No início do século XX, o Brasil convivia com um presidencialismo autoritário e impositivo. Ao inaugurar-se a terceira década do século XXI, deparamo-nos com um presidencialismo fragilizado, que se defende numa guerra por procuração contra o Legislativo.

Por sua vez, o Parlamento ganhou protagonismo — especialmente desde 2015, com mudanças sucessivas nos ritos de votação de vetos, medidas provisórias e matérias orçamentárias, que reconfiguraram sua relação com o governo central. Entre 2013 e 2023, o país foi sacudido — sucessivamente — por protestos em São Paulo, pela Operação Lava-­Jato, pelo impeachment de Dilma Rousseff, pela eleição de Jair Bolsonaro, pela pandemia de covid-19 e pelo retorno de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder.

“O quadro de crise é evidente e preocupante — e nós já nos habituamos a viver nessa tensão permanente”

No terceiro mandato de Lula, parecia haver possibilidade de reaproximação entre os Poderes, dado seu histórico de negociação e coalizão. Mas a expectativa não se concretizou. A relação com o Congresso nunca foi amistosa. Os atos golpistas, o julgamento dos envolvidos no 8 de Janeiro e a polarização acirrada elevaram o tom da disputa. A crise fiscal e a briga pelo controle do Orçamento ampliaram ainda mais o conflito. Neste ano, tivemos escândalos graves — além do julgamento e da condenação de Jair Bolsonaro —, que contribuíram para intensificar o clima de confronto institucional.

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Concluímos 2025 em plena guerra institucional — e o novo ano promete ser ainda mais conturbado. A disputa pelas emendas orçamentárias está destinada a ganhar força no Supremo Tribunal Federal; a CPMI do INSS tende a impactar o mundo político; e o cadáver insepulto do Banco Master continuará sendo fonte de inquietação nos universos financeiro e político. Para complicar, delações podem inflamar ainda mais o ambiente — governo e oposição irão trocar acusações numa eleição que promete ser fortemente influenciada por fake news, inteligência artificial e redes sociais.

A guerra do fim do mundo que vivemos hoje aponta para a exaustão do nosso modelo institucional. Alguns podem argumentar que as instituições brasileiras continuam funcionando. Mas isso não é verdade. O quadro de crise é evidente e preocupante — e nós já nos habituamos a viver nessa tensão permanente. Democracias que funcionam mal por tempo demais, em algum momento, deixam de funcionar.

Publicado em VEJA de 12 de dezembro de 2025, edição nº 2974

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