O corporativismo é uma marca do Congresso. Legislatura após legislatura, deputados e senadores fazem o possível e o impossível para não punir os colegas, criando uma rede de solidariedade e de autoproteção que acaba beneficiando todos os parlamentares. A lógica é simples: quem blinda hoje será blindado amanhã, independentemente da coloração partidária.
Em tempos de polarização, no entanto, fissuras têm aparecido no conhecido espírito de corpo do Legislativo. Prova disso é o debate que será realizado pelos deputados sobre pedidos de cassação de mandato, cujos alvos são expoentes tanto do governo quanto da oposição.
O caso mais encaminhado é o do deputado Glauber Braga (PSol-RJ). Em abril, o Conselho de Ética da Câmara recomendou a sua cassação por ter agredido um militante do Movimento Brasil Livre (MBL) que o havia provocado com perguntas sobre o estado de saúde de sua mãe, que morreria logo depois.
Considerado um desafeto do Centrão, grupo ao qual faz oposição ferrenha, Braga dificilmente escapará da punição, que depende apenas de votação no plenário da Câmara. Colada a ele na fila, aparece a deputada Carla Zambelli (PL-SP), que foi condenada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a dez anos de prisão por falsidade ideológica e invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Após a decisão do STF, governistas fizeram pressão sobre o presidente da Câmara, Hugo Motta (Repúblicanos-PB), para que a perda do mandato fosse realizada imediatamente. Integrantes do PL, partido de Jair Bolsonaro, agiram em sentido contrário, o que levou Motta a despachar o caso da deputada para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde aguarda parecer.
Zambelli preferiu não esperar pela pena do STF e o julgamento dos colegas e fugiu do país. Na terça-feira 29, ela foi presa em Roma, na Itália, e depois transferida para um presídio. O governo Lula trabalhará por sua extradição, e a base aliada retomará a ofensiva para que a outrora estrela bolsonarista tenha o mandato cassado.
O grande embate, no entanto, deve ocorrer no caso do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se licenciou do mandato, mudou para os Estados Unidos e, de lá, ajudou a convencer o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a anunciar um tarifaço sobre produtos brasileiros, além de sanção ao ministro do STF Alexandre de Moraes.
A bancada do PT na Câmara quer a cassação de Eduardo Bolsonaro, alegando que ele conspira contra a soberania e a economia do país. Não será fácil atingir esse objetivo. O Centrão, que costuma ser o fiel da balança nas votações, não quer saber dessa briga nem de tomar partido na polarização. Além disso, os oposicionistas apostarão na estratégia de criar mais confusão.
Uma das ideias dos aliados do ex-presidente Bolsonaro é retomar a tentativa de cassar o mandato de André Janones (Avante-MG), aliado de Lula, usando como base o acordo que o deputado fechou com a Procuradoria-Geral da República no qual concorda devolver 130 000 reais à Câmara como reparação pela prática de rachadinha em seu gabinete. Rompido o pacto corporativista, é cada um por si.