As tensões entre Estados Unidos e Venezuela não dão sinais de arrefecimento após o vigésimo ataque americano a embarcações identificadas como “narcoterroristas” na costa do país sul-americano, e com o presidente Donald Trump indo e voltando nas ameaças sobre operações terrestres. Em caso de conflito aberto, Caracas teria ampla desvantagem. O regime de Nicolás Maduro parece saber bem disso.
Segundo reportagem da agência de notícias Reuters publicada nesta terça-feira, 11, o Exército se prepara para uma potencial invasão montando uma resistência no estilo guerrilha — uma estratégia que é admissão tácita da escassez de soldados e equipamentos no país, mas que já deu resultados contra as Forças Armadas americanas em outros cantos do mundo (em especial no Vietnã).
Estratégia do caos
A defesa no estilo guerrilha, que o governo denominou “resistência prolongada” e mencionou em transmissões na TV estatal, envolveria pequenas unidades militares em mais de 280 locais realizando atos de sabotagem e outras táticas do tipo, de acordo com fontes e documentos de planejamento vistos pela Reuters.
Cerca de 60 mil membros do Exército e da Guarda Nacional seriam acionados pelo regime para sua “guerra de resistência” no estilo de guerrilha.
Uma segunda estratégia, chamada de “anarquização”, usaria os serviços de inteligência e apoiadores armados do governo para criar desordem nas ruas de Caracas e tornar a Venezuela ingovernável, para evitar uma tomada do poder por forças estrangeiras. Segundo pessoas ouvidas pela agência de notícias, as duas táticas são complementares em caso de invasão americana.
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“Não duraríamos duas horas em uma guerra convencional”, admitiu uma fonte próxima ao regime de Maduro à Reuters.
Outra autoridade com conhecimento de defesa e segurança dentro da Venezuela disse que o país não estava “preparado ou profissionalizado para um conflito”, apesar de afirmações contrárias do governo. “Não estamos prontos para enfrentar um dos exércitos mais poderosos e bem treinados do mundo”, resumiu.
Em falas públicas, funcionários da ditadura têm minimizado a ameaça militar dos Estados Unidos. “Eles acham que com um bombardeio vão acabar com tudo. Aqui neste país?”, zombou o ministro do Interior, Diosdado Cabello, enquanto Maduro elogia com frequência os “soldados da pátria” como herdeiros do herói da independência, Simón Bolívar.
Más condições
Maduro ainda desfruta da inabalável lealdade do Exército por ter adotado, ao longo dos doze anos de governo, a estratégia de seu antecessor, Hugo Chávez: colocar generais em cargos públicos, como ministros ou chefes de enormes estatais, para garantir seu apoio. A cúpula militar da Venezuela respaldou a vitória do ditador nas eleições de 2024, apesar do corpo de evidências de fraude.
A caserna, no entanto, tem muito menos benesses. Soldados rasos ganham aproximadamente US$ 100 por mês, muito aquém do custo estimado de US$ 500 mensais de uma cesta básica de alimentos, de acordo com dados do Centro de Documentação e Análise Social da Federação Venezuelana de Professores. Eles também têm pouca experiência de combate, com as funções restritas ao confronto de civis que ousam sair às ruas para protestar contra o regime.
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De acordo com as fontes ouvidas pela Reuters, pode haver muitas deserções em caso de um ataque direto dos Estados Unidos.
Embora Maduro tenha afirmado que, além dos militares, há 8 milhões de civis treinando em milícias para defender a Venezuela, a agência de notícias conversou com autoridades que estimam que, em um cenário de anarquização, apenas 5 a 7 mil pessoas no total se mobilizariam para responder a uma invasão — incluídos aí milicianos, homens armados que apoiam o partido de Maduro e todo o corpo de funcionários de inteligência.
Inferioridade de recursos
Além disso, o equipamento militar venezuelano, grande parte dele de fabricação russa, está defasado em décadas. A Venezuela comprou cerca de 20 caças Sukhoi na década de 2000, mas “ao lado dos B-2 americanos, eles não são nada”, disse uma fonte da área de defesa e segurança à Reuters, acrescentando que os helicópteros, tanques e mísseis portáteis russos que Caracas têm à disposição, capazes de destruir aviões em baixa altitude, também estão obsoletos.
O Ministério das Relações Exteriores da Rússia disse na semana passada que estava “pronto” para atender aos pedidos de assistência da Venezuela, ao mesmo tempo em que pediu que não houvesse uma escalada das tensões. Maduro apelou a Moscou por reparos nos caças Sukhoi, atualizações nos sistemas de radar e o fornecimento de sistemas de mísseis.
Ao menos 5 mil mísseis russos do modelo Igla já foram implantados por toda a Venezuela, e as ordens militares são de que, ao receber “o primeiro ataque dos gringos, todas as unidades devem se dispersar ou ir com suas armas para recuar ou se esconder em vários locais”, informou a Reuters. Maduro afirmou que os mísseis portáteis e seus operadores foram implantados “na última montanha, na última vila e na última cidade do território“.
Disparidade evidente
Se as tensões eventualmente transbordarem para as vias de fato, a Venezuela estaria em franca desvantagem. Washington lidera com folga o ranking mundial de poder bélico, segundo a plataforma Global Firepower, enquanto Caracas está entre as forças medianas do continente americano.
O Exército dos Estados Unidos tem 1,3 milhão de militares na ativa e cerca de 800 mil na reserva. No arsenal aéreo, suas forças contam com mais de 13 mil aeronaves, das quais 9.700 estão prontas para uso; no campo terrestre, há mais de 4.600 tanques e cerca de 390 mil veículos preparados para operações; no mar, o poder se amplia com 440 ativos navais, incluindo 70 submarinos. Além disso, o país tem um dos maiores arsenais nucleares do planeta: 5.177 ogivas, atrás só da Rússia, segundo a Federação de Cientistas Americanos (FAS).
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Enquanto isso, a Venezuela soma cerca de 337 mil militares entre ativos e reservas — fora as Milícias Bolivarianas, um corpo criado por Hugo Chávez para militarizar a população e servir para defender o país de uma hipotética invasão estrangeira. Maduro já ordenou a mobilização de 4,5 milhões deles, embora o número seja considerado exagerado. Suas Forças Armadas oficiais contam com uma frota aérea de 229 aeronaves (apenas 126 delas operacionais); em terra, há 172 tanques e aproximadamente 8.800 veículos; e o arsenal naval conta com apenas 34 navios. Os equipamentos do Exército são, em sua maioria, de origem russa e soviética, embora tenha passado a adquirir componentes bélicos da China e do Irã nos últimos anos.
Tensão no Caribe
Fontes próximas à Casa Branca afirmam que o Pentágono apresentou a Trump diferentes opções, incluindo ataques a instalações militares venezuelanas — como pistas de pouso — sob a justificativa de vínculos entre setores das Forças Armadas e o narcotráfico.
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Os Estados Unidos acusam Maduro de liderar o Cartel dos Sóis e oferecem uma recompensa de US$ 50 milhões por informações que levem à sua captura. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, também foi acusado por Trump de ser “líder do tráfico de drogas” e “bandido”. Em paralelo, intensificam-se os ataques a barcos na região.
Os incidentes geraram alarme entre alguns juristas e legisladores democratas, que denunciaram os casos como violações do direito internacional. Em contrapartida, Trump argumentou que os Estados Unidos já estão envolvidos em uma guerra com grupos “narcoterroristas” da Venezuela, o que torna os ataques legítimos. Autoridades do governo afirmaram ainda que disparos letais são necessários porque ações tradicionais para prender os tripulantes e apreender as cargas ilícitas falharam em conter o fluxo de narcóticos em direção ao país.