Lula voltou da viagem à Ásia na noite de terça-feira (28/10). Ainda se contavam 64 corpos no banho de sangue do Rio.
Na manhã de ontem, mandou o ministro da Justiça Ricardo Lewandowski visitar o governador fluminense, Claudio Castro.
Àquela altura, outros 55 corpos estavam sendo retirados de um trecho da mata da Misericórdia e deitados lado a lado, semi-nus, no chão da praça São Lucas, na Penha, zona norte carioca.
Lula manteve notável equidistância da tragédia do Rio. Candidato à reeleição, precisou de quase 24 horas para falar em público sobre a matança.
Divulgou um texto nas redes com um lamento de 19 palavras: “Não podemos aceitar que o crime organizado continue destruindo famílias, oprimindo moradores e espalhando drogas e violência pelas cidades.”
Usou outras 60 palavras para autoelogio: “Precisamos de um trabalho coordenado que atinja a espinha dorsal do tráfico sem colocar policiais, crianças e famílias inocentes em risco. Foi exatamente o que fizemos em agosto na maior operação contra o crime organizado da história do país, que chegou ao coração financeiro de uma grande quadrilha envolvida em venda de drogas, adulteração de combustível e lavagem de dinheiro.”
Aproveitou, também, para promover a proposta legislativa que o governo, o Partido dos Trabalhadores e aliados transformaram numa espécie de elixir para a violência urbana: “Com a aprovação da PEC da Segurança, que encaminhamos ao Congresso Nacional, vamos garantir que as diferentes forças policiais atuem de maneira conjunta no enfrentamento às facções criminosas.”
Em 2022, Lula programou uma tarde festiva na Maré, a seis quilômetros de distância do epicentro da carnificina desta semana. Grupos de extrema-direita alinhados ao principal adversário da época, Jair Bolsonaro, usaram esse ato de campanha para propagar notícias falsas sobre uma “reunião” do candidato presidencial do PT com chefes do Comando Vermelho.
Antigos operadores da máquina eleitoral petista não se surpreenderam com a manobra. Haviam feito coisa parecida na década anterior.
Lula disputava a reeleição em 2006 contra Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, quando o PCC executou atentados contra alvos civis e policiais no Estado. Contaram-se 564 mortos, entre eles 59 agentes públicos em dez dias de maio.
No primeiro turno, a campanha petista atacou a “complacência” do governo paulista com o crime organizado. No segundo turno, o ministro da Justiça Tarso Genro disse que o objetivo de Lula era mostrar como “a principal facção criminosa proliferou e atuou livremente, de maneira impune, nos governos tucanos”.
Duas décadas se passaram. Alckmin é vice de Lula, e é provável que repitam o dueto na eleição do ano que vem. As matanças prosseguem e o crime está cada vez mais organizado. Governo e oposição mantêm um revezamento de críticas à ineficácia das respectivas propostas anticrime numa rotina de agressões, como se viu na terça-feira na sessão da Comissão de Segurança da Câmara durante o banho de sangue no Rio:
— O seu presidente [Lula] é conivente com o tráfico, é amigo de narcotraficante — gritou no plenário Rodolfo Nogueira, do Partido Liberal do Mato Grosso do Sul.
Talíria Petrone, deputada do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) do Rio, devolveu: — E o seu presidente [Bolsonaro] é um miliciano.
O debate sobre a política de segurança pública continua interditado no Congresso Nacional.