O país atravessa um daqueles momentos que parecem suspensos no ar. Não se trata de euforia nem de alívio generalizado. Trata-se de uma estranheza que percorre todos os lados, porque o Brasil acompanha a aproximação da prisão de um ex-presidente condenado por tentativa de golpe de Estado. A Primeira Turma do STF rejeitou por unanimidade os recursos finais da defesa e manteve a pena de 27 anos e 3 meses, o que coloca a execução como uma questão de tempo.
As reações se dividem, mas o sentimento dominante não está no campo das emoções partidárias. Os que o apoiam observam o avanço do processo com revolta. Os que o rejeitam veem a prisão como consequência natural dos atos cometidos. Apesar disso, o que predomina é a percepção de que o país está entrando numa zona inédita da própria história. Nunca um ex-presidente havia sido condenado dessa forma. Nunca um grupo tão numeroso de generais próximos ao poder político enfrentou penas semelhantes. Nunca um processo por tentativa de golpe avançou de maneira tão direta.
O acórdão já foi publicado e o prazo para os segundos embargos de declaração termina no dia 23. Depois disso, o ministro Alexandre de Moraes pode rejeitá-los sem levar o caso de volta à Turma, o que, segundo o que está documentado, abre caminho para a execução imediata da pena. Não há possibilidade de embargos infringentes, porque Bolsonaro não obteve dois votos pela absolvição. O rito está definido e avança num sentido único.
É por isso que o país vive uma espécie de contagem regressiva. Durante o governo Bolsonaro, Ciro Nogueira repetia o “tic tac” para insinuar que algo aconteceria a favor do presidente. Hoje o mesmo relógio funciona em sentido oposto. O tempo corre contra ele e a percepção pública é de que o desfecho se aproxima.
Resta uma dúvida concreta que afeta tanto apoiadores quanto críticos. Quanto tempo Bolsonaro ficará realmente preso? A idade e as comorbidades são fatores reais. A defesa e aliados do ex-presidente já recorreram à ideia de prisão domiciliar, argumento que aparece inclusive em análises internacionais. O jornal The Guardian, por exemplo, afirmou que Bolsonaro “lutou contra a lei e a lei venceu” e destacou que sua prisão é tratada como iminente.
Apesar da condenação e da proximidade da prisão, Bolsonaro ainda exerce influência. Ela diminuiu, mas permanece. Parte disso deriva de uma escolha calculada. Ele evita apontar um herdeiro político para não perder relevância imediata. Enquanto sua figura continuar sendo o eixo que unifica a direita, sua base mantém a defesa ativa.
O intervalo entre o julgamento e a prisão explicita uma contradição que o país precisa enfrentar. Bolsonaro tentou um golpe à vista de todos. Acreditou que não seria responsabilizado. Tensionou as instituições, tentou cooptar militares, investiu contra o sistema eleitoral e difundiu mentiras como método permanente de ação. Fez isso com a convicção de que a cultura brasileira de impunidade política o protegeria.
Não foi o que ocorreu.
O Brasil chega agora ao ponto decisivo de um processo marcado pela firmeza institucional. A tarefa é transformar esse episódio em aprendizado e em proteção. Não se trata de vingança. Trata-se de evitar que novas tentativas de ruptura institucional encontrem terreno fértil. O país precisa sair dessa experiência com mecanismos mais sólidos de blindagem democrática, capazes de impedir que aventuras autoritárias se repitam.
O relógio continua correndo. Hoje ele corre em direção a uma mensagem que servirá para o futuro da democracia brasileira.