A ruptura entre Hugo Motta e Lindbergh Farias não é um episódio isolado nem uma briga de ocasião. É o tipo de ato que revela mais sobre o funcionamento real do Congresso do que muitas sessões solenes ou discursos conciliadores. Em Brasília, quando um presidente da Câmara decide retirar um líder governista da própria agenda, o que está sendo comunicado não é uma divergência, mas uma mudança de patamar. E o governo percebe isso imediatamente.
Nas últimas semanas, enquanto o Planalto comemorava a queda da inflação, o avanço da popularidade e a consolidação de vitórias econômicas e sociais, o ambiente político tomava outra curva. A relação de Lula com o Congresso, que já vinha marcada por tensões difusas, entrou num período de fricções abertas. E esse quadro se cristalizou com o anúncio público de Motta de que não manteria mais relação com o líder do PT. Em suas próprias palavras: “não tenho mais interesse em ter nenhum tipo de relação com o deputado.” Num ambiente como o da Câmara, esse tipo de declaração não é apenas um desentendimento. É uma linha traçada no chão.
O conflito vinha sendo alimentado por semanas. Desconfiança mútua, ruído nas negociações, reclamações internas sobre a condução do PL Antifacção e irritação acumulada com episódios menores deram corpo a uma crise que só precisava de um gatilho para vir à tona. A fala de Motta cumpriu esse papel. E, para além das reações públicas, o relato registrado pelo colega Pedro Pupulim, aqui da Veja, reforça o quadro já visível nos bastidores.
Mas o ponto central não está na troca de acusações. Está no que ela provoca. O Planalto sabia que a relação com a Câmara nunca seria simples, mas, neste momento, há algo mais estrutural em curso. Motta não rompe apenas com um líder; ele envia uma mensagem para o governo sobre como pretende conduzir o ano legislativo. E essa mensagem ganha peso porque, no Senado, o ambiente tampouco está sob controle. A escolha de Jorge Messias para o Supremo não apenas contrariou a preferência de Davi Alcolumbre, como cristalizou um mal-estar que afastou o presidente do Senado do governo em um momento em que Lula precisava justamente do contrário.
O resultado é um cenário em que os dois principais interlocutores do Executivo nas Casas legislativas enfrentam barreiras simultâneas. Jaques Wagner continua isolado entre os senadores, e Lindbergh agora tenta reorganizar sua atuação sem acesso direto ao presidente da Câmara. Os dois movimentos juntos empurram o governo para uma zona de instabilidade política num período em que cada votação exigirá precisão milimétrica.
A preocupação de Lula não deve estar na dimensão da briga, mas no que ela antecipa. Em 2026, quando o calendário eleitoral começar a ditar decisões com mais força do que qualquer acordo partidário, rupturas como essa tendem a se multiplicar. O Congresso costuma ler o tempo político antes do Executivo. Quando dois presidentes de Casa agem em um sentido único, mesmo que por razões distintas, o governo deveria considerar que o sinal não é lateral, mas central.
A ruptura entre Motta e Lindbergh apenas tornou visível uma mudança que já estava em andamento. O Planalto ainda tem capital político para reorganizar o tabuleiro. A relação com o Congresso entra agora numa fase em que os símbolos valem tanto quanto as votações. E o da última semana foi tudo, menos pequeno.