A aprovação do PL Antifacção na Câmara dos Deputados nesta terça, 18, consolidou não apenas um avanço legislativo no combate ao crime organizado, mas também um embate político aberto entre governo e oposição. O texto — originalmente enviado pelo Executivo — chegou ao plenário após meses de elaboração, porém com a digital da direita mais visível que a do Planalto, como observou o editor José Benedito da Silva, no programa Ponto de Vista. Eis uma disputa que ganha calor nos bastidores: pela paternidade do projeto.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta quarta, 19, que o projeto está na contramão do combate ao crime, e servirá para enfraquecer operações e a Polícia Federal. “O projeto enfraquece essas operações. Não apenas asfixia financeiramente a Polícia Federal para os próximos anos, como cria uma série de expedientes frágeis que vão ser utilizados pelos advogados do andar de cima do crime organizado para obter vantagens no Judiciário, que vai ter que respeitar a nova lei se ela for aprovada”, disse.
O ministro continuou: “Então por melhor que tenha sido a intenção, ela vai na direção absolutamente contraria do que se pretende. Ela facilita a vida dos líderes do crime organizado e fragiliza as operações de fronteira da aduana, que é da Receita Federal. Então nós estamos realmente na contramão do que nós precisamos.”
O que está realmente em jogo com o PL antifacção?
A discussão do projeto ganhou velocidade após a megaoperação no Rio de Janeiro, que deixou 121 mortos e transformou a segurança pública no centro do debate nacional. O tema passou a ser visto por analistas e parlamentares como determinante para 2026, o que explica o apetite político em torno do PL.
“O que perpassou toda essa discussão foi a disputa pela paternidade da iniciativa”, resume José Benedito. O governo reclama que o relator, o deputado Guilherme Derrite (PP), tentou assumir o protagonismo do texto, eliminando expressões como “facções criminosas” e renomeando o projeto para Marco Legal de Combate ao Crime Organizado — alterações simbólicas, mas com clara intenção política.
O projeto foi mesmo descaracterizado?
Segundo José Benedito, não totalmente. Algumas mudanças têm peso limitado e podem ser corrigidas no Senado. O ponto mais sensível, de fato, é a perda de recursos para a Polícia Federal decorrente da nova destinação de bens apreendidos — item que o governo pretende reverter.
Outras alterações soam mais como disputa de narrativa: aumento de penas, ajustes cosméticos e tentativas de reforçar o “endurecimento” contra o crime. “Se o governo listar o que incomoda, não sobra muita coisa. A maioria do que propôs foi mantida”, afirma o editor.
Quem vence a batalha política?
Apesar de o Planalto ter enviado o projeto, a oposição foi mais rápida em ocupar o espaço simbólico do combate às facções. A cena durante a aprovação — com Derrite cercado por deputados bolsonaristas — evidenciou a estratégia de capitalizar eleitoralmente o tema.
O governo, por sua vez, reagiu tardiamente e agora confia no Senado para ajustar pontos técnicos e resgatar parte da narrativa. A Casa costuma operar com menos inflamabilidade política que a Câmara, o que abre margem para negociação.
A esquerda perde terreno na pauta da segurança?
Para José Benedito, sim — e o impacto é profundo. Em paralelo ao PL Antifacção, a PEC da Segurança também deve sofrer alterações para agradar governadores, que veem interferência federal excessiva no texto original. O risco para o Planalto é duplo: duas propostas enviadas pelo governo podem terminar com a identidade da oposição.
O timing é desfavorável. Pesquisas recentes mostram que 40% dos brasileiros apontam a segurança pública como principal preocupação, número que supera com folga a economia (20%). E, historicamente, a direita se comunica melhor com esse eleitorado.
“O vencedor desse duelo leva a bandeira da segurança para 2026”, sintetiza o editor.
Com o tema no centro da agenda e um Congresso em modo eleitoral, o governo Lula corre para evitar que sua maior fragilidade — a segurança pública — se transforme também em terreno entregue de bandeja à oposição.