No salão iluminado das grandes decisões, muitos buscam a cadeira principal. Mas há algo mais poderoso que sentar-se à mesa com um crachá de autoridade: é dançar no centro da pista e, ainda assim, subir ao mezanino para enxergar o todo.
A ciência, por séculos, se estruturou com base em títulos, cargos e autoridade conferida por pares ou mandatários. Porém, os desafios do nosso tempo – mudanças climáticas, pandemias, desigualdades sociais, imposição de regimes políticos e restrições sociais – pedem outro tipo de resposta.
Não basta o saber técnico. É preciso pensar. Pensar com profundidade, com liberdade, com escuta ativa. Escutar não é apenas ouvir. É tentar se abrir para o novo, inclusive quando o novo vem dos mais jovens.
A liderança que precisamos não é apenas comunicativa, mas também reflexiva. Em tempos de excesso de redes e ruídos, o pensamento se torna mais precioso do que nunca. “Viver não é preciso”, já dizia Fernando Pessoa, no sentido de precisão matemática. Mas talvez seja ainda mais verdadeiro dizer: “Pensar não é preciso, mas é preciso”.
Liderar, nesse contexto, não é dominar uma sala, mas sim atravessá-la com coragem e humildade. A verdadeira liderança não está no título, mas na ação. Autoridade é o que o grupo te dá para manter o status quo; liderança é o que você exerce ao desafiar esse status, mesmo que em silêncio, mesmo que sozinho.
Há lideranças conservadoras, aquelas que repetem os modelos que já deram certo. E há as lideranças transformadoras, que ousam propor o novo, mesmo correndo o risco do erro. Estas últimas, por mais que assustem, são menos perigosas do que a estagnação.
Pior do que falhar é perpetuar um sistema que não responde mais às necessidades de um mundo em movimento. Obviamente, nem toda ruptura é benéfica. Existe a liderança que inspira, e existe a que destrói. A liderança “destruidora”, que manipula e confunde, e pode ser mais ou tão perigosa quanto a ausência de liderança. Estamos falando da liderança disruptiva.
Na ciência e na medicina, também é tempo de rever papéis. Hoje, muitas vezes, é o mais jovem que ensina o mais velho, e isso não diminui ninguém. Da mesma maneira sim, o etarismo também tem de ser evitado. É um ciclo virtuoso. O verdadeiro líder entende que, com o tempo, será liderado. E devera sim sentir orgulho em ter preparado gente e geração melhor.
A expressão “going to the balcony”, cunhada por Ronald Heifetz, nos convida à reflexão no calor da ação. Na guerra, há o “fog of war”, isto é a névoa que cega decisões. Na ciência e na política, essa névoa se chama ego, urgência e vaidade. É preciso enxergar padrões, ouvir múltiplas interpretações, sustentar o desconforto. A pergunta que fica é: conseguimos nos observar em movimento?
Cientistas e médicos são jardineiros em tempos de tempestade. Plantam confiança onde há desconfiança, cuidam de ecossistemas humanos, interpretam sinais e mantêm o olhar treinado para além da próxima eleição ou do próximo artigo científico. Não lideram sozinhos; lideram com, e isso muda tudo.
Porque, em meio ao barulho, o verdadeiro líder escuta. Em meio às certezas, duvida. Em meio à autoridade, serve. E acima de tudo, sente e pensa. Porque pensar, hoje, é um dos maiores atos de coragem.
* Gustavo Rosa Gameiro é médico e cientista, jovem liderança médica da Academia Nacional de Medicina; Rubens Belfort Jr é oftalmologista, membro da Academia Nacional de Medicina e professor da Unifesp