Vivemos em uma era de desconfiança. A sensação de que, a qualquer momento, podemos ser a próxima vítima de uma fraude online — ou de uma artimanha que começa no mundo digital e rapidamente nos alcança no real — tornou-se uma sombra constante em nosso cotidiano. O avanço da tecnologia, que deveria representar liberdade e eficiência, tem sido acompanhado de uma nova forma de vulnerabilidade: a corrupção invisível das relações digitais.
A criatividade dos criminosos parece inesgotável. A cada dia, surgem novas armadilhas, cada vez mais sofisticadas, que nos mantêm em permanente estado de alerta. Uma avalanche de golpes digitais mina nossa tranquilidade e nos obriga a desconfiar de cada mensagem, ligação ou oferta que recebemos. O ambiente virtual, originalmente concebido como espaço de conexão e oportunidade, tornou-se terreno fértil para práticas ilícitas que desafiam tanto o cidadão comum quanto as instituições responsáveis por garantir a integridade das transações digitais.
A proliferação de ciladas online no Brasil atingiu proporções alarmantes. Pesquisas recentes da Febraban e do DataSenado indicam que um em cada três brasileiros já foi vítima de algum tipo de fraude digital com prejuízo financeiro nos últimos doze meses. Isso representa mais de cinquenta milhões de pessoas — um número que supera a população de países inteiros e expõe a gravidade de uma epidemia silenciosa. Enquanto os crimes patrimoniais presenciais diminuem, os estelionatos virtuais disparam. Apenas em 2024, o país registrou mais de dois milhões de ocorrências desse tipo, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Esses golpes assumem formas cada vez mais criativas e personalizadas, explorando a engenharia social com precisão cirúrgica. Quem nunca ouviu falar do golpe do “Oi pai, troquei de número, me faz um Pix”? Ou daquele em que a vítima é induzida a devolver um Pix supostamente enviado por engano? Há também as promessas de prêmios vultosos que pedem “apenas uma cópia do seu documento e a validação da sua biometria facial” — a porta de entrada perfeita para o roubo de identidade e abertura de contas falsas. A clonagem de aplicativos de mensagens tornou-se corriqueira, permitindo que criminosos se passem por familiares, amigos e até por advogados. Mais recentemente, vídeos criados com inteligência artificial têm utilizado imagens de personalidades conhecidas para promover falsos investimentos e produtos, conferindo uma aparência quase inquestionável à mentira.
Certos grupos sociais são particularmente vulneráveis. Idosos, menos familiarizados com as novas tecnologias, estão entre os principais alvos. Golpes de falsa prova de vida e boletos bancários adulterados exploram a boa-fé desse público, que representa uma parcela expressiva das vítimas de fraudes financeiras. No extremo oposto, crianças e adolescentes — nativos digitais — também enfrentam riscos sérios. A superexposição nas redes sociais e a falta de discernimento os tornam presas fáceis para aliciadores e criminosos que utilizam táticas sofisticadas de manipulação emocional.
O impacto vai muito além do prejuízo econômico. Viver sob a constante ameaça de ser enganado gera desgaste psicológico profundo. Pesquisas indicam que vítimas de golpes digitais frequentemente desenvolvem sintomas de ansiedade, insônia e depressão, além de um sentimento recorrente de vergonha, como se tivessem “culpa” por terem sido enganadas. Essa autoinculpação leva ao isolamento social e alimenta um ciclo de desconfiança coletiva. A linha entre o real e o falso se dissolve, corroendo um dos pilares mais importantes da convivência humana: a confiança.
A corrupção digital — silenciosa e difusa — corrói não apenas o patrimônio, mas também a noção de integridade pública e privada. Quando dados pessoais, senhas ou informações sigilosas são expostos, não é apenas um cidadão que sofre: toda a estrutura de credibilidade institucional é abalada. O setor público, as empresas e as próprias plataformas digitais precisam reconhecer que o combate a esses crimes não é apenas uma questão de segurança, mas de governança, ética e transparência.
O combate a essa epidemia passa, inevitavelmente, pela proteção dos dados pessoais. A fragilidade da segurança dessas informações — tanto no setor público quanto no privado — é o combustível que alimenta a indústria da fraude. Só nos primeiros quatro meses de 2025, mais de dois mil incidentes de vazamento de dados foram registrados no país, segundo o relatório Mapa da Fraude. Cada vazamento fornece aos criminosos informações precisas sobre potenciais vítimas, tornando suas investidas muito mais convincentes. Quando um golpe chega com seu nome, CPF e endereço corretos, a chance de sucesso é exponencialmente maior.
Nesse contexto, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é um instrumento essencial, ainda que sua aplicação e fiscalização enfrentem desafios contínuos. Criar uma cultura de proteção de dados — que trate a segurança da informação como prioridade estratégica — é uma das formas mais eficazes de conter o avanço da criminalidade digital. A LGPD estabelece parâmetros claros para coleta, uso e compartilhamento de dados pessoais, fortalecendo a integridade e a transparência das relações entre cidadãos, empresas e Estado.
A proteção contra golpes e manipulações digitais não depende apenas da lei, mas também de educação, responsabilidade corporativa e ação coordenada do poder público. É urgente investir em programas de conscientização, em políticas de segurança cibernética robustas e em mecanismos de resposta rápida a incidentes. A integridade digital deve ser compreendida como parte integrante da integridade nacional.
Mais do que combater crimes, é preciso reconstruir a confiança. Precisamos de mais informação, de mais transparência no uso dos nossos dados e, sobretudo, de um esforço coletivo para restaurar a credibilidade em um ambiente digital que, cada vez mais, é parte inseparável da vida moderna.