Tem cor mais insossa que o bege, com o perdão de quem gosta da tonalidade e faz dela um arco-íris de vida? Não tem. É o matiz da papinha de bebê de gosto impessoal, do biscoito de água e sal, da aveia e, o.k., do café com leite, em divisão com mais leite do que café. Ziraldo, no belo clássico infantil Flicts, tratou de usar a pintura bege-amarelada, frágil e triste, a tingir a lua que descobríamos, em 1969, como sinônimo de pessoas excluídas, em busca de um lugar no mundo. Muito recentemente, quando expor riqueza virou postura cafona, os muito ricos da Europa e dos Estados Unidos esconderam-se atrás da coloração desinteressante. Quer sumir do mapa? Vá neutro, descolorido, eis o truque.

O nome do jogo: sutileza, no avesso do espalhafato e do drama. Se havia alguma dúvida do atual império do bege, ela acaba de ser dirimida depois de um conjunto de fotografias, evidentemente espraiadas pelas redes sociais, que tem como estrela a atriz americana Jenna Ortega, a Wandinha da série da Netflix. A personagem — paradigma do gótico, do preto, do escuro — virou do avesso e, na estreia mundial da segunda temporada do programa, despontou em um modelo etéreo da Ashi Studio, quase melancólico — flicts, é claro, de um bege mudo, mas que saiu gritando alto, dado o espanto que provocou.
Não demorou para colarem uma etiqueta na invenção: beige goth, porque tudo que tem um nome começa a existir. Há, é claro, referências a filmes do passado como Entrevista com o Vampiro, de 1994, em que já se ensaiava uma fotografia menos forte, e a mais recente versão de Nosferatu, de 2024. Como sempre, ainda que brotem evocações do que já andou por aí, os adeptos da tendência ligam pontos de modo a fazer parecer com que tudo tenha sido pensado — embora não. Um fato: o bege é um modo de fugir do festival de filtros que brotam nas redes sociais, em um liquidificador de padrões, quase sempre exagerados. A ironia: a onda cresce e aparece, deixando todo mundo bege de espanto, ali na ágora em que critica, a internet. Tudo bem, porque ninguém pede coerência, mas apenas pessoas e roupas para serem fotografadas. “Hoje, essa ‘clareza sombria’ é linguagem de moda, sinônimo de sobrevivência e poesia”, arrisca a estilista Gloria Coelho.

Até que desponte um outro jeito de ser, esse é o que pegou. A Dior explorou a profusão de tules, rendas e babados inspirados no tal gótico menos agressivo, como peças barrocas. A Collina Strada foi de vestidos vitorianos de veludo e transparência, mas com uma pegada punk. A Rokh apresentou drapeados assimétricos e espartilhos que pareciam relíquias do passado. Ann Demeulemeester, fiel à sua identidade, exibiu corpos velados e silhuetas flutuantes que pareciam surgir das sombras.
Celebridades ou quase famosos que dependem da ribalta, mesmo as de luz momentaneamente discretas, navegam na história, muitas vezes por puro marketing. Kim Kardashian surgiu em Los Angeles com vestido estruturado em bege empoeirado, marcado por corset e mangas volumosas. Julia Fox apostou em detalhes de tule. Cardi B combinou rendas delicadas e babados em vestido com silhueta escultural, mostrando que a estética, é verdade, se adapta a diferentes corpos e personalidades. Não há quem não fique bege com essa moda.
Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2025, edição nº 2961