Os esforços de dezenas de milhares de pessoas, dos cerca de cinquenta chefes de Estado ou de governo e das centenas de delegações diplomáticas que vão se reunir, debater e negociar ao longo de mais de duas semanas em Belém, no Pará, em novembro, podem ser resumidos em um único dado: 1,5 grau centígrado. Esse é o limite do aumento da temperatura média da atmosfera da Terra, em comparação com os níveis anteriores à era da industrialização, a ser perseguido até o fim do século, conforme acordado pela comunidade internacional na 21ª Conferência sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas, a COP21, realizada em 2015 na França. Dez anos depois, a COP30, em solo brasileiro e amazônico, terá a difícil missão de criar as condições para reverter o que, por ora, desponta como um inequívoco fracasso do Acordo de Paris. A meta de 1,5 grau, afinal, foi ultrapassada no ano passado.
No último dia 22, o secretário-geral da ONU, António Guterres, reconheceu que o limite será superado novamente nos próximos anos. Para que a temperatura média volte a cair até 2100, o mundo precisará acelerar as medidas com o objetivo de reduzir a concentração de gases causadores do aquecimento global. Há um cenário ideal e há um cenário possível. No ideal, os representantes de todos os países desembarcariam em Belém trazendo debaixo do braço promessas ambiciosas de cortes de emissões, suficientes para reduzi-las coletivamente em cerca de 60% até 2035. E os países desenvolvidos concordariam em mais do que quadruplicar a ajuda financeira para que as nações mais pobres consigam cumprir sua parte nesse esforço.
O cenário possível é bem mais modesto, a começar pelas metas de redução de poluentes. Até a última terça-feira, 28, apenas 64 países (de um total de 194 participantes, incluindo a União Europeia) haviam apresentado a ONU seus planos climáticos atualizados. Chamados de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), esses documentos contêm os compromissos que cada nação assume para combater as mudanças climáticas. De cinco em cinco anos, eles precisam ser reformulados, sempre com metas mais audaciosas do que as anteriores. Como elas serão alcançadas é algo que os países determinam individualmente. A Suécia, por exemplo, pretende diminuir em 70% as emissões nos transportes até 2030, por meio da expansão da frota de veículos elétricos ou movidos a biocombustíveis. Em 2025, fecha-se um desses ciclos exigidos para que os países ampliem seus compromissos. O Brasil, por exemplo, prometeu reduzir em 59% a 67%, até 2035, suas emissões líquidas de gases do efeito estufa, ou seja, o saldo do que é liberado na atmosfera e o que é capturado por meio de reflorestamento e outros métodos.

A China, por outro lado, foi mais conservadora, apresentando um plano de redução de 7% a 10% das suas emissões. Maior poluidor do mundo, o país precisaria ter como meta um corte de pelo menos 28% para cumprir os objetivos do Acordo de Paris. Ainda mais desanimador é o fato de os Estados Unidos, o vice-campeão de emissões, ter se retirado do Acordo de Paris e, portanto, não ter divulgado sua NDC. O presidente americano, Donald Trump, chama a agenda climática de “farsa” e insiste em promover o uso de combustíveis fósseis. Segundo estimativa da ONU, as 64 NDCs apresentadas até agora permitiriam uma redução de apenas 10% das emissões globais de gases do efeito estufa. “Em uma perspectiva otimista, o número de NDCs pode chegar a 100 durante a COP30”, diz Gustavo Souza, diretor sênior de políticas públicas e incentivos da ONG Conservação Internacional. “Mais do que isso, a diplomacia brasileira terá o papel de estimular os países que faltam anunciar suas NDCs a ser mais ambiciosos nos cortes e a, de fato, acelerar a implementação das medidas para reduzir as emissões.”

O financiamento climático é outro ponto em que expectativa e realidade se distanciam. Em 2009, na COP de Copenhague, foi definida a meta de 100 bilhões de dólares anuais que seriam repassados pelos países desenvolvidos para os emergentes. Esse montante, mesmo insuficiente, só foi atingido inteiramente em alguns períodos. Na COP29, em Baku, no Azerbaijão, a meta foi elevada para 300 bilhões de dólares. Foi estabelecido, naquela ocasião, uma iniciativa denominada Mapa do Caminho Baku-Belém com o objetivo de alcançar 1,3 trilhão de dólares por ano, valor considerado necessário para que os países mais pobres consigam reduzir suas emissões sem prejudicar seu desenvolvimento econômico. Esse trabalho está a cargo de um grupo de ministros das Finanças ou equivalentes, liderado por Fernando Haddad, ministro da Fazenda do Brasil. Apesar do empenho diplomático, não há muita esperança entre os especialistas de que os países ricos aceitarão desembolsar um volume trilionário em financiamento climático. Por isso, qualquer aumento em relação aos 300 bilhões de dólares já prometidos será considerado uma conquista. Existe também um esforço para triplicar o valor destinado a fundos específicos para a adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, já perceptíveis em todo o mundo.

O que de fato tem chances de prosperar na conferência que vai ocorrer entre os próximos dias 10 e 21 (um encontro de cúpula de líderes acontece antes, nos dias 6 e 7) são as iniciativas para angariar apoio a outros mecanismos de financiamento para ações climáticas. Um deles é o Fundo de Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), proposto pelo Brasil para remunerar os países por hectare preservado de mata nativa. O Banco Mundial será o administrador interino do fundo e a ambição é a de reunir um patrimônio de 125 bilhões de dólares — mas se na conferência for possível garantir ao menos 25 bilhões de dólares em adesões, já será uma vitória. O TFFF é parte de um tema maior que tende a ganhar relevância na COP30: a valorização das florestas nas discussões climáticas. “Historicamente, a transição energética foi uma questão prioritária nos fóruns internacionais sobre clima, mas, desta vez, a preservação e a restauração florestal podem ser elevadas ao mesmo patamar de importância”, diz Natália Renteria, diretora da iniciativa Race to Belém, do fundo suíço Silvania.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, costumam repetir que, mais do que novos acordos, esta será a conferência da implementação de ações para mitigação e adaptação climática. Uma das maiores apostas é a de que, a partir deste ano, o setor privado será definitivamente integrado à responsabilização e à busca por soluções para o aquecimento global e suas consequências. Nos últimos anos, os maiores responsáveis pelo aumento no financiamento para ações climáticas já foram indivíduos e empresas interessados em projetos rentáveis, não governos ou mesmo iniciativas filantrópicas. “Em eventos antes e durante a COP, centenas de empresas vão demonstrar suas iniciativas em desmatamento zero, restauração florestal, agricultura regenerativa, transição energética e mineração sustentável, entre outras”, diz Renata Piazzon, presidente do Instituto Arapyaú, fundado por Guilherme Leal, sócio da Natura. Segundo ela, o Brasil poderá se posicionar na COP como um país que já tem soluções climáticas de sucesso, como a produção de biocombustíveis e a integração da agricultura com as florestas, a exemplo do cultivo de cacau no Pará. O que falta é atrair investimentos para ampliar as escalas. Um exemplo é a promessa brasileira de quadruplicar a produção e o uso de combustíveis sustentáveis — e o convite para que outros países façam o mesmo. A COP possível vai mostrar que sustentabilidade e desenvolvimento econômico devem andar juntos.
Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2025, edição nº 2968
