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A cidade do Rio onde o tráfico e a política caminham juntos

Em menos de duas semanas, dois dos vereadores mais votados de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, foram presos em operações policiais que miram a atuação de facções criminosas no município. As investigações escancaram como o crime organizado ampliou sua influência sobre estruturas políticas e administrativas da cidade — um movimento que coincide com a presença de aliados e familiares de Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, em postos estratégicos da prefeitura.

Na terça-feira, 25, Ernane Aleixo (PL), terceiro vereador mais votado de Meriti, foi preso durante a Operação Muro de Favores, que apura a atuação de uma rede ligada ao Terceiro Comando Puro (TCP). Segundo a Polícia Civil, o parlamentar oferecia suporte logístico ao grupo criminoso. Áudios e mensagens obtidos pelos investigadores indicam que ele teria fornecido maquinário e estrutura para erguer barricadas em Vilar dos Teles, dificultando o acesso de forças de segurança e de serviços públicos. Ele foi detido em casa, onde agentes apreenderam cerca de 50 000 reais em espécie. A defesa afirmou, através das redes sociais do vereador, que as acusações são infundadas.

Já no dia 14 de novembro, Marcos Henrique Matos de Aquino (Republicanos), o mais votado da cidade nas últimas eleições, foi preso em flagrante durante a Operação Contenção, que combate a expansão do Comando Vermelho (CV). Ele não era alvo da ação, mas acabou detido ao se apresentar em um endereço onde policiais cumpriam mandado contra seu irmão, Luiz Paulo Matos de Aquino. No carro oficial da Câmara usado pelo vereador, foram encontrados uma arma registrada em nome de outra pessoa e várias  caixas de medicamentos de uso controlado. Marcos Henrique pagou fiança e foi solto horas depois.

Os episódios envolvendo os dois vereadores acenderam novo alerta sobre a infiltração do crime na política local. Investigações já apontavam que a influência de facções não se limita ao Legislativo. Um núcleo ligado ao CV, comandado por Cristiano dos Santos Hermogenes — irmão de Marcinho VP —, consolidou espaço relevante na estrutura da prefeitura, como já mostrou VEJA. Sem cargo oficial, Cristiano é descrito por diversas fontes como figura decisiva nos bastidores da administração da cidade.

ALIANÇA - Léo Vieira (à esq.) e Cristiano: votação garantida

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Indicações feitas por ele ocupam postos estratégicos: Márcia Real assumiu a Subsecretaria da Mulher; Lorival Almeida de Oliveira, advogado de Cristiano, foi alçado à Secretaria do Idoso e da Pessoa com Deficiência; e Wagner Turques, que se identifica como membro da “equipe Cristiano Santos”, é subsecretário da mesma pasta. O sobrinho de VP, Cristian Santos, de 21 anos, está lotado na Secretaria de Governo com salário de 8 000 reais. Thaís Terra, casada com outro sobrinho do traficante, é assessora de Segurança Institucional, com remuneração de 13 000 reais. Somados, vencimentos ligados ao clã ultrapassam 55 000 reais mensais.

Segundo interlocutores da política local, o fortalecimento desse grupo tem uma lógica: articulação eleitoral em áreas dominadas pelo CV. O prefeito Léo Vieira (Republicanos) obteve votações expressivas em bairros controlados pela facção — São Mateus (63%), Éden (64%) e Tomazinho (67%). Aliados afirmam que a parceria deve seguir até 2026, quando Vieira pretende lançar o filho, Leozinho, à Alerj. Em nota enviada a VEJA, o prefeito nega qualquer vínculo com facções criminosas e diz que sua gestão é pautada pela legalidade. Cristiano não se manifestou.

A relação entre o grupo e o poder público não é nova. Cristiano chegou a ser preso em 2006 ao ser flagrado com uma agenda com anotações sobre ações do CV nas comunidades. Eleito vereador em Belford Roxo em 2017, pavimentou a entrada de Márcia Gama — mulher de VP — em um cargo no Legislativo, do qual acabou afastada após VEJA revelar que não aparecia para trabalhar havia cinco anos. Ela ainda recebeu 50 000 reais em valores retroativos.

“Ao influenciar o poder público, o crime organizado corrompe agentes, interfere em políticas locais e garante sua impunidade”, afirma Daniel Hirata, especialista em segurança pública da UFF.

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