As melhores histórias são as que soam inverossímeis, mas de tão interessantes vivem como certezas. Uma delas: em 1984, a atriz britânica radicada na França Jane Birkin viajava de Paris para Londres em um voo da Air France. Levada da classe turística para a primeira por cortesia da companhia aérea, a estrela do cinema e sua filha Charlotte, então com 13 anos, foram colocadas ao lado do presidente da marca de luxo Hermès, o refinado Jean-Louis Dumas. Ele ficou impressionado com o péssimo estado da bolsa da vizinha, com objetos caindo no chão, como se voassem: carteira, chaves, cartões de visita, lenços, cigarros, óculos… Do lamento e do espanto brotou a ideia de um objeto que fosse grande mas estiloso, volumoso e a um só tempo discreto.
Teria nascido ali um ícone pop. O protótipo original, criado em 1985 e apresentado à atriz pouco tempo depois, será levado a leilão no início de julho pela Sotheby’s, em Paris. Não há estimativa de preço final, por ser um exemplar único e indizível, mas há quem aposte em pelo menos 1 milhão de dólares, até mais. É um totem sem tabu. A começar pelo tamanho, com cerca de 35 centímetros de altura e pouco menos de 40 centímetros de largura. As alças, o zíper interno e o negro escuríssimo compõem a beleza da peça. “É um fenômeno cultural, um marco temporal, o luxo simbolizado da maneira mais refinada possível”, disse Morgane Halimi, chefe global de bolsas e moda da tradicionalíssima casa de leilões.
Jane Birkin tinha mais de uma bolsa Hermès com seu nome, cinco ao todo, e costumava dizer a quem perguntasse se estava usando a original ou não. Era seu acessório favorito, a ponto de carregá-lo a tiracolo em todas as ocasiões. Não por acaso, o exemplar que será leiloado agora traz as adoráveis marcas de muitos anos de uso, a exemplo das iniciais do nome (JB) um tanto puídas e traços dos adesivos que a atriz colava em apoio a organizações como Médicos Sem Fronteiras e Unicef. Uma curiosidade que pode mexer com a sensibilidade e o bom humor de potenciais compradores: ainda é possível levar na compra o cortador de unhas que a beldade mantinha pendurado em uma das alças.

O desapego veio em 1994, quando ela pôs aquela número 1 à venda em um leilão com renda revertida para ajudar doentes de aids. Depois disso, a bolsa virou peça de museu e foi exibida em ao menos duas exposições, em Nova York, em 2017, e Londres, em 2020. “Adquirir a primeira Birkin da Hermès era um sonho como colecionadora”, disse Catherine Benier, que arrematou o exemplar em 2000, sem fazer grande publicidade, e agora decidiu vendê-lo novamente. “Uma coleção só vale a pena se for compartilhada.”
É ideia bonita e generosa, simpático raio de luz a iluminar um retrato do final do século XX. A bolsa de Jane Birkin, imitada, copiada, virou registro do bem viver e da elegância cautelosa em filmes e obras de arte, e também pelas ruas do mundo, é claro. É item essencial no tapete vermelho de festivais, objeto constante nas revistas de moda e produto cobiçado no guarda-roupa de celebridades, artistas e estilistas. Estrelas como Kim Kardashian, dona do exemplar mais caro, o Himalayan Crocodile Birkin, avaliado em 2 milhões de reais, e Victoria Beckham, ávida colecionadora dessas relíquias modernas, que não saem por menos de 30 000 reais e só são vendidas a clientes fiéis da Hermès, são agentes de longeva permanência no universo fashion. É fenômeno tão, mas tão marcante, que é tema de um episódio da série Sex and the City, de 2001, que incluía a célebre frase: “Não é uma bolsa, é uma Birkin”.
Publicado em VEJA de 13 de junho de 2025, edição nº 2948