Nos anos 1990, o acadêmico Robert Reich, que foi secretário do Trabalho na Presidência de Bill Clinton, criou a expressão “secessão dos bem-sucedidos” — em inglês, rima, secesssion of the successful. Expôs num artigo no The New York Times como as classes mais privilegiadas haviam criado bolsões correspondentes a seu estilo de vida: bairros com casas enormes, ruas com árvores, bons serviços públicos e uma espécie de identidade de pensamento. Essas comunidades, disse Reich, segundo a visão esquerdista, praticamente haviam declarado a secessão em relação ao resto dos EUA. Um novo estudo mostra que os bem-sucedidos também se concentraram desequilibradamente no Partido Democrata, a ponto de que, hoje, 75% dos distritos eleitorais mais ricos são governados pelo equivalente americano à centro-esquerda. Com isso, o Partido Republicano, historicamente dos estratos mais à direita e empreendedores, passou a ter uma grande representatividade entre a classe trabalhadora.
Um fenômeno paralelo acontece no Brasil. A gritante secessão se deu entre aqueles que, na definição de Reich, se concentram nas profissões voltadas para analisar e manipular símbolos — palavras, números e imagens visuais. São professores, advogados, cientistas, programadores, integrantes da imprensa e das múltiplas esferas do mundo do entretenimento. Sua reação à Operação Contenção pode ser resumida pela nota em que a Universidade do Estado da Bahia (Uneb) lamentou “profundamente as mortes decorrentes do massacre ocorrido no Rio”. Devido ao isolamento na bolha, nem uma palavra sobre os alvos da operação, inclusive três criminosos baianos acoitados no Rio. Ironicamente, no mesmo dia saiu a pesquisa AtlasIntel mostrando que, nos bairros do Alemão e da Penha, o apoio à operação foi de 87,6%: os pobres não aguentam pagar sobre todos os serviços “taxados” pelo crime.
“Precisamos da bravura de homens contra drones operados com base em vídeos vindos da Ucrânia”
É um número que precisa ficar cravado na mente de todo mundo que lida com informações e política em geral. Outra pesquisa mostrou que 68,8% dos cariocas apoiavam a intervenção — daí a maior nuance na cobertura midiática e o estado de tartamudez do governo. O pensamento das esquerdas, tal como resumido na nota da Uneb, vive em situação de secessão completa em relação ao povo de que se arvora defensor.
Num mundo normal, criminosos seriam legitimamente presos, julgados e condenados. A situação gerada pelo enquistamento de gangues em bairros cariocas é completamente anormal. A discussão que levou alguns programas de televisão a parecer mais perigosos para representantes das forças de segurança do que uma posição na linha de combate da Operação Contenção obscureceu uma obviedade: o estado de descalabro da criminalidade exige todas as formas de combate já utilizadas — operações de inteligência, reforma na vigilância de fronteiras, repressão aos “cooptados” dentro das fileiras da lei e uma bela ajuda da inteligência artificial. Sem falar no longo prazo: uma economia pujante, com mais oportunidades de trabalho bem remunerado, e educação muito melhor do que a atualmente oferecida. No curto, ainda precisamos da bravura dos homens que vão à guerra, enfrentando tiros de nove tipos diferentes de fuzis e drones operados com base em vídeos vindos da Ucrânia. Com todas as consequências terríveis de uma guerra.
Publicado em VEJA de 7 de novembro de 2025, edição nº 2969