Quando se trata de vinho, fazer sucesso na França pode garantir uma espécie de selo de qualidade ou carimbo que abre as portas e aduanas ao redor do mundo, para o prestígio e uma consequente vitória comercial. O episódio clássico que sustenta essa teoria é o Julgamento de Paris. A famosa degustação às cegas colocou lado a lado vinhos americanos e franceses foi realizada em 1976 pelo comerciante britânico Steven Spurrier. O resultado colocou Napa Valley, na Califórnia, no mapa mundi vínico e determinou o grande sucesso comercial das vinícolas californianas vencedoras do evento.
Em busca do mesmo selo de qualidade, o chef Benoit Manthurin, o francês que teve a coragem de fazer uma carta só com vinhos brasileiros em seu Esther Rooftop, um dos ótimos restaurantes de São Paulo, cruzou o Atlântico para três eventos em Paris com a missão de surpreender seus conterrâneos. Na bagagem, levou uma seleção de vinhos brasileiros para serem submetidos a jornalistas e especialistas franceses . Para Benoit, são produtos dignos de ganharem elogios em degustações com algumas das grandes autoridades no assunto da terra que é referência mundial no assunto. “Estamos finalizando o ano do Brasil na França e ninguém falou do vinho brasileiro que está com uma qualidade impressionante. Houve até um evento de turismo brasileiro, com a presença do embaixador do Brasil, em que foi servido Chablis (ícone da Borgonha)”, disse Benoit à coluna AL VINO.
No Instagram do projeto, batizado de Vin du Bresil, ele explica da seguinte forma a escolha da França para a empreitada. “Porque lá o vinho é cultura, ser reconhecido ali é conquistar credibilidade de sommeliers e críticos que influenciam a Europa”, diz. Benoit acredita que um país que importa 7 milhões de hectolitros por ano tem espaço pra produtos diferentes, como os vinhos brasileiros. Segundo ele, a falta de conhecimento dos franceses dos vinhos brasileiros fica evidente em episódios como o de uma conversa recente com uma jornalista parisiense. Na ocasião, ela contou a Benoit que já havia conhecido vinho do Chile e Argentina, mas não tinha dimensão da produção brasileira.
Para levar adiante o projeto, Benoit associou-se a Giovanni Montoneri, um italiano da belíssima cidade siciliana de Siracusa e que mora em São Paulo há 12 anos, atuando na internacionalização de empresas. Engenheiro de formação, Giovanni trabalhou muito tempo na França, com o mercado asiático, e viu no salto qualitativo do vinho brasileiro uma grande oportunidade de negócio. “Não estamos falando de grandes volumes, quero mostrar que o vinho brasileiro tem um lado artístico, autoral. São rótulos que harmonizam facilmente, muito gastronômicos e que podem estar lado a lado com franceses e italianos”, afirma.
O projeto Vins do Brésil conta com outro braço francês, o jornalista e influencer Xavier Vankerrebrouck, responsável por organizar degustações em que jornalistas do Le Figaro e redatores do Guia Michelin estarão presentes. A primeira prova foi realizada na segunda, 1o de dezembro, na Cave à Vin. Haverá mais duas na sequência. A munição para impressionar os franceses será composta por vinhos da Manus Vinhas e Vinhos, de Encruzilhada do Sul (RS), da Estrada Real, vinícola mineira, de Caldas, propriedade de Murillo Regina, responsável por difundir a técnica da dupla poda ou colheita de inverno, da Barbara Eliodora, de São Gonçalo do Sapucaí (MG), da La Grande Bellezza, de Pinto Bandeira (RS), da Bebber, de Flores da Cunha (RS) e da Arte Viva, de Bento Gonçalves (RS). “Acredito que conseguimos um leque muito interessante. Temos o trabalho de leveduras indígenas da Manus, a poda invertida da Primeira Estrada e da Bárbara Eliodora, a delicadeza do terroir da Grande Bellezza, além da Bebber, que faz vinhos em uma região promissora, e o trabalho de barricas brasileiras da Arte Viva”, elenca Benoit.
O valor do vinho nacional, que costuma ser o entrave no momento da escolha do consumidor brasileiro, que na gôndola prefere um importado a um nacional do mesmo valor, vai chegar entre 15 e 20 euros para o consumidor francês. “Haverá mais caros, mas esse é um valor do ticket médio de consumo de bebedores de vinho por lá”, diz Giovanni, que acredita firmemente no sucesso do projeto. Tanto que a próxima investida do Vin du Brésil, com novas rodadas de degustações que apresentem o vinho brasileiro a sommeliers influentes e jornalistas, está marcado para abril, na Itália, em Roma ou Milão.
Para os responsáveis pelo projeto, a qualidade do vinho brasileiro deixou de ser uma barreira há algum tempo. A grande dificuldade desse setor hoje é se comunicar de forma eficiente. “Tome como exemplo a festa mundial que ocorre a cada lançamento do Beaujolais Nouveau. Um vinho simples, que não dura nem um ano na adega, mas que se tornou reconhecido mundialmente”, lembra Giovanni. Segundo ele, o Brasil tem muito mais qualidade, mas precisa de coragem para investir em marketing. O reconhecimento virá, garante o empresário. Uma prova de que a aposta faz sentido são as medalhas da Decanter, o concurso inglês, que tornou o Syrah de São Paulo conhecido mundialmente.
O projeto Vin du Brésil é um passo audacioso que, se bem-sucedido, poderá não apenas elevar o status dos vinhos do Brasil, mas também transformar a percepção global sobre a diversidade e a riqueza da nossa produção vinícola. Que o novo julgamento de Paris faça justiça ao esforço — e que venham mais taças e mais histórias para contar.