O ministro Alexandre de Moraes já havia alertado para o modus operandi do bolsonarismo — e os últimos dias forneceram exatamente o tipo de evidência que o STF dizia acompanhar de perto. A convocação de uma vigília em frente ao condomínio do ex-presidente Jair Bolsonaro, somada à violação da tornozeleira eletrônica, formaram, para o relator da trama golpista, o retrato acabado de uma tentativa de gerar tumulto e, possivelmente, facilitar uma fuga. Foi a sequência de erros que acelerou a ordem de prisão.
José Benedito da Silva, colunista de VEJA, resume no programa Ponto de Vista: “Subestimaram completamente a atenção das autoridades”. A avaliação é compartilhada por outros integrantes do Judiciário e da Polícia Federal, que há meses tratam o entorno do ex-presidente como área de monitoramento permanente.
Por que a estratégia era tão frágil?
A pergunta que toma Brasília é simples: como aliados de Bolsonaro imaginaram que uma mobilização convocada publicamente nas redes, aliada ao rompimento de uma medida cautelar, passaria despercebida? O colunista aponta que Moraes, escaldado pelos fatos de 8 de janeiro, passou a reagir de forma imediata a qualquer ação que lembre a escalada golpista — ainda que embrionária.
José Benedito recupera um episódio ilustrativo: a barraca montada em frente ao STF pelo deputado Hélio Lopes. “Moraes determinou na hora a remoção do acampamento”, diz o colunista. “Ordenou à Polícia Militar agir rapidamente e ainda fixou punição ao governo do Distrito Federal se a ordem não fosse cumprida.” Não houve hesitação nem margem para interpretação.
Para o Supremo, portanto, o padrão já estava estabelecido: qualquer movimento que lembre a aglomeração pré-8 de janeiro precisa ser contido antes que cresça. A convocação feita por Flávio Bolsonaro apenas reforçou a leitura de risco.
O impacto das fugas e o temor de um ‘núcleo externo’
O episódio Alexandre Ramagem — que deixou o país com passaporte diplomático suspenso — pesou na decisão de Moraes. Também constam na decisão as saídas de Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro. “Aliados próximos do ex-presidente fugiram, e isso criou um caldo perigoso”, afirma José Benedito.
Dentro do STF, o temor é explícito: que um grupo de condenados passe a atuar do exterior, questionando a legitimidade das instituições brasileiras e alimentando narrativas de perseguição. Nesses cenários, uma fuga do próprio Bolsonaro seria devastadora — e politicamente explosiva.
“Imagine Bolsonaro discursando de fora do país, dizendo-se perseguido por uma ditadura”, comenta o colunista. “Seria péssimo para o país.” O Supremo quis eliminar essa variável.
O fantasma do 8 de janeiro ainda determina as reações?
Sim — e muito. As feridas do ataque às sedes dos Três Poderes continuam a orientar decisões, operações e o comportamento das autoridades. Moraes e os órgãos de segurança tratam qualquer movimentação de rua organizada por aliados do ex-presidente como possível início de algo maior.
“É sempre assim: começa com cem pessoas, vira duzentas, trezentas… e de repente está fora de controle”, diz José Benedito. O STF não pretende correr esse risco pela segunda vez.
O que está em jogo agora?
A prisão preventiva do ex-presidente não está ligada ao desfecho final do processo sobre a trama golpista — ainda há recursos pendentes. A ordem de Moraes se baseia exclusivamente na análise das últimas movimentações: risco de fuga, violação de medida cautelar e tentativa de mobilização irregular.
A leitura no Supremo é unânime: havia uma engrenagem em curso, ainda que mal articulada. Para o tribunal, era preciso interrompê-la antes que se tornasse irreversível.