Horas depois de o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, conceder uma entrevista coletiva afirmando que a Polícia Federal iria investigar os casos de intoxicação de bebidas alcoólicas por metanol, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), repetiu o ato, convocando uma coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes, com o intuito de apresentar os avanços que as autoridades estaduais fizeram nas investigações.
Lewandowski e Tarcísio, no entanto, apresentaram versões opostas sobre o envolvimento do crime organizado — e isso não foi uma coisa sem importância. Para o governo federal, a possibilidade de participação da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) no esquema criminoso de adulteração de bebidas foi uma das justificativas para incluir Polícia Federal no caso — o ministro também citou que, apesar de todos os casos terem sido registrados até agora em São Paulo, há a probabilidade de os crimes investigados extrapolarem as fronteiras paulistas.
Na capital paulista, Tarcísio foi categórico ao afirmar que “não há evidência” do envolvimento da organização criminosa e chegou a usar o verbo “especular”. “Tudo o que acontece é o PCC. Tem se especulado sobre a participação do crime organizado nessa adulteração de bebida. Não há evidência alguma”, disse o governador a jornalistas.
Tanto Lewandowski quanto Tarcísio falaram acompanhados de outros representantes de suas gestões. A “formação” do time para as coletivas ficou mais ou menos espelhada. O ministro estava com o diretor da PF, Andrei Rodrigues, e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Já o governador foi ladeado, entre outras autoridades, pelo secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, e pelo secretário estadual da Saúde, Eleuses Paiva.
Carbono Oculto
Rivalização semelhante entre os dois governos em entrevistas coletivas ocorreu no final de agosto, quando as gestões Lula e Tarcísio fizeram entrevistas separadas, em Brasília e São Paulo, para falar sobre as operações desencadeadas para asfixiar as atividades financeiras do PCC, em especial na região da Faria Lima, centro financeiro do país.
Lewandowski conduziu uma coletiva em Brasília, ao lado do chefe da PF e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Já em São Paulo, o secretário Derrite esteve com promotores do Ministério Público paulista em uma coletiva que ressaltou o “braço paulista” da ofensiva.
Impacto eleitoral
Embora não se tenha hoje certeza alguma sobre se o governador de São Paulo irá para a disputa presidencial em 2026, essa hipótese ainda não foi descartada, o que deixa no horizonte a possibilidade de os dois governantes se enfrentem na corrida ao Palácio do Planalto.
Logo depois da ofensiva contra o PCC em agosto, Tarcísio foi às redes sociais para saudar o que considerava “dia histórico no enfrentamento ao crime organizado”. E, claro, chamou a atenção para o trabalho feito pelo poder público em São Paulo. “As facções estão sendo enfrentadas como nunca antes, e a mensagem é clara: em São Paulo, o crime organizado não terá vez!”, escreveu.
No mesmo dia, Lula também comemorou. “A população em todo o país assistiu hoje à maior resposta do Estado brasileiro ao crime organizado de nossa história até aqui”, disse citando a Polícia Federal e a Receita Federal, além das parcerias com os Ministérios Públicos Estaduais.
PEC da Segurança
Todos esses elementos mostram que, no pano de fundo das investigações, há componentes do campo político. Um dos pontos mais criticados da PEC da Segurança, que foi gestada dentro do ministério de Lewandowski e aguarda a tramitação na Câmara, é a mudança da competência das investigações contra o crime organizado para ampliar os poderes da União e das forças federais de segurança. Hoje, o combate a esse tipo de atividade criminosa compete basicamente aos estados.
O texto da PEC sugere que a coordenação das estratégias contra as facções fique com a PF, uma força de segurança com mais poderes (podendo atuar em nível federal e internacional, como operam os grandes carteis de drogas, por exemplo) e menos corruptível.
Em outubro do ano passado, Lewandowski fez uma conversa com os governadores para ouvir a opinião deles antes de formalizar a apresentação da PEC ao Congresso. Tarcísio não chegou a criticar diretamente a proposta — como fez, por exemplo, Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) — mas pediu que ela passasse por um grupo de trabalho para ser melhor analisada pelos governadores.
O ato de trazer para a guarda da PF a investigação sobre os casos de intoxicação por metanol pode se tornar uma espécie de “laboratório” do que a PEC pode fazer pela segurança pública, tema que tem despontado entre as maiores preocupações dos brasileiros nos últimos anos e que passou a entrar na lista do que as pessoas levam em conta na hora de votar.