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O que acontece se mulheres grávidas pararem de tomar paracetamol?

Um discurso recente do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acendeu um debate no campo da saúde pública: gestantes devem evitar o paracetamol? A fala, feita há poucos dias, associou o uso do medicamento, conhecido também como Tylenol ou acetaminofeno, ao aumento de diagnósticos de autismo.

A declaração foi recebida com surpresa pela comunidade médica. Isso porque, embora o número de diagnósticos de autismo tenha mesmo aumentado nas últimas décadas, a principal explicação para esse aumento está na ampliação dos critérios clínicos e na maior conscientização sobre o transtorno, não em uma “nova causa ambiental”. Em outras palavras, mais crianças estão sendo identificadas hoje do que no passado.

Além disso, pesquisas acumuladas ao longo dos anos mostram que fatores genéticos respondem por cerca de 80% do risco de autismo, enquanto os fatores ambientais têm papel secundário — e até hoje não há evidência convincente de que o uso de paracetamol durante a gestação esteja ligado à condição.

Apesar da falta de evidências, a Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora americana equivalente à Anvisa, determinou a inclusão de novos alertas nos rótulos do paracetamol. A mudança, no entanto, não confirma risco de autismo ou TDAH, sendo interpretada mais como um gesto de cautela diante da repercussão. Do outro lado, organizações médicas internacionais e a Organização Mundial da Saúde (OMS) foram categóricas: não há motivo para que gestantes abandonem o uso do medicamento. No Brasil, o Ministério da Saúde também reforçou a ausência de evidências científicas que sustentem a associação feita por Trump.

Na última sexta-feira, 26, a Nature, uma das revistas científicas mais prestigiadas do mundo, entrou no debate com um artigo que esquentou ainda mais a discussão. O alerta não foi sobre o remédio em si, mas sobre o impacto da desinformação em larga escala: o que pode acontecer se mulheres grávidas decidirem abrir mão, sem orientação médica, de um dos analgésicos e antitérmicos mais usados — e considerado o mais seguro durante a gestação — com base em evidências frágeis?

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O risco da febre não tratada

O ponto central é que o paracetamol é justamente o analgésico mais indicado para gestantes. Ele é amplamente usado há décadas, considerado seguro quando tomado nas doses recomendadas e eficaz para tratar dor e febre.

Por outro lado, o que não faltam são evidências sobre os riscos da febre não tratada. Debra Kennedy, pesquisadora de saúde da mulher na Universidade de Nova Gales do Sul (UNSW), na Austrália, alerta que deixar a febre sem tratamento, especialmente quando é alta — acima de 39,1 °C — ou persiste por mais de 24 horas, aumenta o risco de desfechos adversos na gestação. Segundo ela, a condição está associada a aborto espontâneo, defeitos congênitos no coração e na coluna, além de alterações faciais, conforme afirmou à Nature.

Altas temperaturas não tratadas também podem interferir no desenvolvimento cerebral do feto, aumentando a chance de transtornos psiquiátricos, como esquizofrenia. Kennedy alerta ainda que o medo infundado do uso de paracetamol pode levar gestantes a recorrer a analgésicos menos seguros. “Algumas mulheres definitivamente vão relutar em tomar paracetamol por causa dessas declarações. Já recebo pedidos de colegas para fornecer informações confiáveis a pacientes preocupadas sobre o uso do medicamento durante a gravidez”, relatou.

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Falta de opções

Segundo o artigo, as opções de remédios para dor durante a gravidez são limitadas, e alguns apresentam riscos conhecidos quando usados de forma inadequada. Alex Polyakov, obstetra e pesquisador da Universidade de Melbourne, na Austrália, explica que medicamentos como aspirina, ibuprofeno, naproxeno, diclofenaco e indometacina, todos anti-inflamatórios, precisam de cuidado especial.

“Estudos mostram que o uso desses remédios no primeiro trimestre está associado a um risco maior de aborto espontâneo. No terceiro trimestre, podem afetar os rins do bebê e reduzir o líquido ao redor dele, o que aumenta o risco de problemas nos pulmões ou rigidez nas articulações. Em casos mais tardios, também podem causar o fechamento precoce de um vaso sanguíneo do coração do bebê, com possíveis dificuldades respiratórias após o nascimento”, disse Polyakov.

Apesar desses riscos, o artigo da Nature ressalta que alguns desses medicamentos ainda podem ser necessários durante a gravidez, desde que em doses controladas e sob supervisão médica. Debra Kennedy, pesquisadora de saúde da mulher na Universidade de Nova Gales do Sul, destaca que a aspirina em baixa dose pode ser indicada — de forma muito cuidadosa — para prevenir a pré-eclâmpsia em mulheres com alto risco. Essa condição eleva a pressão arterial e pode comprometer a chegada de oxigênio e nutrientes ao bebê.

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O artigo também destaca que faltam estudos clínicos envolvendo gestantes, o que gera lacunas sobre a segurança de muitos medicamentos nesse período. “Isso faz com que médicos fiquem cautelosos e, às vezes, mulheres evitem ou interrompam tratamentos necessários por medo de prejudicar o bebê. Incluir gestantes em ensaios clínicos bem planejados nos ajudaria a entender melhor como os medicamentos afetam tanto a mãe quanto o bebê e preencheria lacunas de longa data nas evidências”, afirma Polyakov.

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