counter Carlos Francisco faz ligação de ‘O Agente Secreto’ com ‘Ainda Estou Aqui’ – Forsething

Carlos Francisco faz ligação de ‘O Agente Secreto’ com ‘Ainda Estou Aqui’

Carlos Francisco, 64 anos, é o grande homenageado da edição de 2025 do CineBH, que vai até domingo, 28, na capital mineira. A sessão de abertura exibiu o filme O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, no qual Carlos interpreta um projecionista de cinema que se envolve em uma trama vivida pelo personagem de Wagner Moura. O longa é a aposta brasileira ao Oscar e tem colecionado prêmios em festivais internacionais – foi recentemente exibido em Cannes, onde conquistou melhor direção para Mendonça e melhor ator para Moura. Mineiro de Belo Horizonte, Carlos construiu carreira sólida no teatro, integrando o Grupo Folias, em São Paulo. No cinema, seu talento ganhou projeção em títulos como Bacurau (2019) e Marte Um (2022). Para a coluna GENTE, o ator falou sobre carreira, origem quilombola e como cinema e política se entrelaçam.

O caminho para o cinema aconteceu com 50 e poucos anos. Depois de uma longa carreira de teatro. O senhor acredita que foi tardio? Não, acho que foi um tempo bom, porque cheguei no cinema já com maturidade, uma bagagem. O teatro me deu essa bagagem. Por exemplo, uma coisa curiosa que aconteceu no Sobre Dora e Dores, filmado no Tocantins. O filme está sendo rodado ainda, a minha parte já acabou. Teve uma cena na qual não estava fazendo nada. E tinha um ator que recebia uma cachaça de presente. Aí improvisei, falei: ‘Ei, mas deixa que guardo para você’. Por quê? Como gente de teatro, percebi que ele tinha uma cena na sequência que ia ficar com aquela garrafa na mão e atrapalhá-lo, não tinha onde pôr a garrafa. Na hora ninguém pensou nisso. Talvez o diretor depois solucionasse. Mas na cena, percebi e antecipei, isso é coisa de teatro.

Vindo do Quilombo dos Pinhões, de BH, depois trabalhando como vendedor de caminhões em São Paulo, o senhor imaginava que estaria em filme que concorre ao Oscar? Sempre penso num plano à frente e tenho a minha realidade aqui atrás. Vou com um passo de cada vez. Quando estava em São Paulo, como vendedor de caminhão, estava indo bem. Quando estava feliz, era no momento de felicidade, me lembrar que ‘você está aqui, mas você não é daqui’. Vai ficar pelo caminho. Isso me movia. Tinha expectativa de um dia fazer as coisas que gostava de fazer. Com pessoas legais, aprender mais, fazer melhor, me desenvolver com isso. Tinha o desejo de ter um teatro um dia, a gente ficar no teatro. Mas não imaginava, só queria fazer bons filmes. E aconteceu porque me distanciei do teatro.

Tanto Bacurau quanto O Agente Secreto são filmes políticos. Essa relação da arte com assuntos políticos é importante nas suas escolhas? Muitos jovens estão embarcando nessa coisa da direita sem entender direito o que foi. A maioria dos jovens que nasceu depois, eles encontraram Lula, por exemplo, como presidente da República. Eles já não pegaram o militarismo. Então, o que eles entendem de um país ruim, é um país ruim desse período. Por isso se voltam a propor outras coisas, porque eles falam: ‘Talvez aquilo seja melhor do que esse período que vivi’. Não entendem que aquele período é muito pior. A arte ela ajuda a contribuir nessa discussão e instrumentaliza o imaginário. Ainda estou aqui e O Agente Secreto têm muita similaridade.

Quais destacaria? As histórias se passam num período em que o Brasil está sob militarismo. E isso impacta as relações de poder no entorno. Todos os pequenos poderes são embasados pela ditadura militar. E a sociedade fica sem direitos. No filme dá para entender. Toda a arte, de alguma maneira, é política. Nenhum artista pode, mesmo que queira, não participar. Ou você não conformisticamente se envolve na luta ou conformisticamente se rende ao poder. Então, escolha de que lado você está e não se limite.

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Nas manifestações do último domingo muitos artistas foram cobrados para se posicionar. Há desconforto em quem se cala? Tem a omissão de alguns muito famosos que se beneficiam das coisas como estão. Eles não aparecem, aí dá para entender. Quem aparece, você entende que está nessa luta, quem não aparece você entende onde está. É simples.

Falando sobre imaginários, o senhor é um homem negro, quilombola, mineiro. Estar na tela muda que tipo de imaginário? Muda muito, por exemplo, nunca tinha visto uma família inteira de negros que não tivesse problemas com questão social, com um algum membro da família envolvido no crime. Não me lembro de uma família inteira de negros. As famílias geralmente são fragmentadas. O cara tem uma vó, tem uma tia. E em geral os negros estão sempre ligados à questão histórica ou à questão da marginalidade. Isso mudou. No edital de ações afirmativas para negros, Gabriel Martins (cineasta), por exemplo, nos convidou para fazer o Marte Um. É um filme de uma família negra, que não tem problema com marginalidade, são trabalhadores, a questão deles é existencial. Milton já dizia: o mundo é o que você vê do lugar de onde você está. Compartilhar essa ótica específica com os demais é bacana, é muito rico para a gente compreender a pluralidade do país e da nossa cultura.

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