Todos os anos, no dia 27 de setembro, crianças vão às ruas em busca dos tão esperados saquinhos de doces distribuídos em homenagem aos santos gêmeos São Cosme e Damião. Mas nem todos conhecem a tradição histórica que dá sentido às guloseimas. Pensando nisso, o historiador, professor e escritor Luiz Antonio Simas, 57 anos, decidiu contar a origem dos irmãos em seu novo livro infantil, As três estrelas do céu — Cordel para Cosme e Damião (ed. Reco-Reco), que será lançado neste sábado, 27, no Rio, dia dedicado aos santos. Em parceria com o ilustrador Camilo Marins, o autor explica a história dos irmãos que se tornaram protetores de crianças. Em conversa com a coluna GENTE, Simas analisa o futuro dessa tradição.
O que o motivou a contar essa história em formato de cordel? Gosto de história de santo, mas de forma curiosa. Não tenho interesse em saber por que a igreja santificou o homem, mas sim por que o povo humanizou o santo.
O que está por trás do nome do livro? Isso é um conto de Umbanda que fala assim: “Lá no céu tem três estrelas, todas as três em carreirinha, uma é Cosme e Damião e a outra é Mariazinha”. A terceira estrela é uma criança encantada que está ao lado. E o título faz referência a isso.
O costume de distribuir doces atravessa gerações. O que essa prática nos revela sobre a cultura popular? Isso é um costume entranhado na cultura popular, muito vinculado a terreiros de Umbanda. Depois foi incorporado a outras religiões porque o Brasil proporciona esse encruzilhamento – Cosme e Damião acabam sendo aproximados a Ibeji, um orixá africano que protege os gêmeos. É por isso que me interessa como esses santos foram humanizados. Como se deu esse encruzilhamento entre Igreja e terreiro? O espaço de cruzamento é a rua. E assim nós temos uma festa de rua.
Essa cultura histórica ainda vai durar muito tempo? É uma festa sob ameaça. Há um processo de urbanização forte e que ataca as sociabilidades que a rua constrói, como a circulação de carros e fenômenos vinculados à violência urbana. Além disso, há o crescimento do racismo religioso no Brasil. Há um avanço de algumas designações cristãs – não todas, evidentemente – que demonizam qualquer referência que tenha algum vínculo com o povo afro-brasileiro. Na zona norte do Rio, ainda vejo crianças pegando doces na rua, mas praticamente não vemos esse movimento na zona sul.
Como é sua relação com a data? Cresci com a minha avó, que distribuía uma quantidade exorbitante de saquinhos em um terreiro em Nova Iguaçu. Aquilo marcou a minha infância e formação. Hoje a minha relação é continuar dando doce com a minha companheira, que faz há 14 anos por conta de uma promessa que fez quando nasceu o nosso filho. Eu, como sujeito interessado nos ritos da rua, participo ativamente disso: escrevendo, pegando doce, indo para a rua vendo a festa acontecer e ajudando a minha mulher, na medida do possível, a distribuir os doces.
Como vê a relação da nova geração com a tradição? Tem uma diferença que é marcada até pelos rumos que o mundo vai tomando. Hoje, por exemplo, você tem o telefone celular, que alterou até a maneira de se interagir. Atualmente, a criançada vivencia o mundo mais pela tela de celular do que pelo contato presencial.
O que espera com este livro? Que as pessoas se divirtam, pois eu me diverti muito escrevendo. E, de certa maneira, espero que chame a atenção para a relevância que as festas tiveram e têm no nosso país para construir um certo sentido coletivo de vida que está cada vez mais sob ataque diante de uma individualização muito agressiva do mundo. A gente está sendo empurrado o tempo todo para posturas individuais. Então, ressaltar a possibilidade da vida ritualizada como experiência coletiva é uma das intenções deste trabalho.