counter “A solidão é pior que qualquer fratura” – Forsething

“A solidão é pior que qualquer fratura”

Parecia que eu estava vivendo um filme perfeito. Tinha meu apartamento em Sydney, na Austrália, todo decorado por mim, com a praia logo ali, amigos incríveis e a minha marca de tênis crescendo. Era o auge. Até ser atropelada durante as férias em Barcelona, na Espanha, em 2019. Tive múltiplas fraturas e sofri uma lesão cerebral. Daquele momento em si não me lembro de nada. Zero. O que talvez seja um alívio. Mas até hoje insisto para meu advogado conseguir as imagens das câmeras de rua. Queria entender o que ocorreu no segundo que mudou tudo na minha vida. Tenho poucas lembranças do tempo de hospital. É como um buraco de seis meses. E foi estranho voltar ao Brasil. Eu me revoltava porque minha mãe não me deixava regressar à Austrália. Não entendia o porquê, agia como se nem sequer soubesse que tinha sofrido um acidente. Quase um ano depois é que a ficha caiu. Por mais que eles me contassem tudo, não absorvia nada.

A verdade é que eu não me via em um processo de reabilitação. Mas hoje sei que a parte mais difícil nunca foi reaprender a andar, correr ou escrever. Foi passar quatro anos e meio sem conseguir fazer um único amigo. A dor de estar sozinha é maior do que a dor física. O desafio não foi o corpo em si, mas o vazio ao redor. E, com o tempo, descobri que isso não acontecia só comigo, muitas pessoas com lesão cerebral foram deixadas por amigos e parceiros. Passei por momentos sombrios, em que me perguntava: se os médicos disseram que havia 95% de risco de eu não sobreviver, por que ainda estou aqui?

Acabei voltando para o Brasil depois de dez anos fora, o que não fazia parte dos meus planos, mas aqui percebo que as pessoas parecem mais felizes, calorosas e atentas umas às outras. E hoje eu sinto que talvez a depressão tenha ficado para trás. Quem mais me deu forças para seguir adiante foi minha mãe, sempre. Ela esteve comigo em abso­lu­ta­men­te todos os momentos. Um ano e meio sem soltar a minha mão. E continua presente o tempo inteiro, agora pelo WhatsApp e nas ligações diárias. As duas fonoaudiólogas que me acompanharam também foram essenciais. Me ouviam, conversavam, viraram amigas.

A ideia de um livro sobre a minha história foi se formando aos poucos. Lembro que assisti ao filme Penguin Bloom (Um Milagre Inesperado, no lançamento no Brasil) e depois busquei outros sobre acidentes e recomeços. Isso acendeu algo em mim: também queria contar a minha jornada. O título inicial que me veio à cabeça era “Eu consigo tudo o que eu quero”. Foi a primeira frase que falei à minha tia depois da traqueostomia. Escrevi o que pude, mas achava que o relato não tinha clareza suficiente. Então consegui o contato do escritor Bradley Trevor Greive, que, na época, me deu algumas orientações. Até que, no início de 2022, ele próprio me procurou para saber em que pé estava e, ao saber que eu não tinha terminado, aceitou a oferta de contar a minha história. Foi assim que um autor best-seller escolheu dedicar dois anos de sua vida para colocar a minha no papel. A repercussão foi maior do que eu poderia imaginar. Recebo mensagens do mundo inteiro. O livro já saiu na Austrália, nos EUA, no Canadá… Em outubro, Garota Quebrada chega ao Brasil pela editora Sextante.

Hoje, aos 39 anos, penso que aqui pode ser inclusive o lugar para retomar minha marca de calçados, que passou por uma pausa. Se eu sobrevivi é porque preciso ajudar outras pessoas. Não importa como. Posso servir como um exemplo de alguém que atravessou a dor e, mesmo quebrada, continuou. E a minha mensagem não se restringe às pessoas que enfrentam uma lesão cerebral, uma deficiência ou uma depressão. Se estende também a quem convive com elas. Para que elas não sejam esquecidas. Porque o isolamento destrói. A solidão é pior que qualquer fratura. Sei porque vivi isso. E ainda dói.

Continua após a publicidade

Caroline Breure em depoimento a Diogo Sponchiato

Publicado em VEJA de 25 de setembro de 2025, edição nº 2963

Publicidade

About admin