Criador de múltiplas séries engenhosas, como Fargo (2014 -) e Legion (2017 – 2019), o americano Noah Hawley, de 58 anos, acaba de passar por um novo teste de fogo com a primeira temporada de Alien: Earth, encerrada nesta quarta-feira, 24 de setembro. Superando toneladas de pressão e comparações incontornáveis à conceituada saga cinematográfica, o escritor fisgou o público com elementos inusitados: novas criaturas, um núcleo familiar enternecedor e uma analogia ao conto de fadas Peter Pan, entre outros. Em entrevista a VEJA, Hawley detalha as origens das ideias que distinguem sua série e pondera o quanto ela pode continuar caso executivos da Disney a renovem:
Seu trabalho anterior a Alien: Earth já adaptava propriedades intelectuais estabelecidas com destreza e bastante liberdade criativa. Como é o processo que o leva ao equilíbrio entre originalidade e nostalgia? Sempre tento entender as sensações que o material original provocou em mim e o porquê disso. Me atento mais à série de emoções que não estão necessariamente conectadas à informação, mas à experiência de assistir a Alien, ou a Fargo ou a Onde os Fracos Não Tem Vez. Quero emular essa jornada subjetiva, mas contar outra história. O bacana é que não é preciso ser literal. Em Aliens, há uma criança que age como adulto e um adulto que age como criança, o personagem de Bill Paxton, então pensei: e se eu quiser contar uma história à la Peter Pan? Me permito ter espaço para brincar.
A série ganhou popularidade redobrada na internet após uma cena do segundo episódio que faz referência a Era do Gelo. Por que esse foi o filme escolhido? O maior motivo por trás da escolha do filme é que, por quatro anos, os únicos longas que meu filho queria ver eram os cinco títulos de Era do Gelo. Tive até que impor um moratório sobre essa franquia, determinar que ficaria pelo menos seis meses sem vê-los de novo. Já como roteirista, o filme surgiu como um atalho para desenhar um relacionamento. Era do Gelo não é o melhor filme já feito, mas é o que mais vi na vida, porque família é isso, compartilhar histórias. Na tentativa de estabelecer o laço fraterno dos personagens rápida e visualmente, a ideia de que ele seria fã desse filme na infância e de que ela o observava assistir conta tudo que é preciso saber.

A produção desta série ocorre já há cinco anos, durante os quais muito mudou sobre a presença da inteligência artificial no cotidiano geral. O quanto esse avanço impacta a escrita sobre o tema na esfera da ficção científica? Por sorte, nada que ocorreu na vida real mostrou que os devaneios da ficção científica sobre a inteligência artificial estavam errados. Por outro lado, certamente a questão é mais vital do que nunca. Nos questionamos como podemos interagir com coisas que simulam nosso comportamento, mas não são humanas. Uma vez que o simulacro é antropomorfizado — ou, no caso da série, posto em corpos sintéticos que parecem de verdade —, tudo fica mais difícil. Já é complicado acreditar no que lemos em nossos celulares, imagina então ver essas informações saindo de um rosto igual ao nosso. Não vamos ter falta de material para a segunda temporada.
Tanto em Alien: Romulus quanto em Earth, personagens sintéticos acabam sendo figuras repletas de humanidade. Por que enxerga tanto valor emocional neste arquétipo? O que acho interessante no que Fede [Alvarez, diretor de Romulus] fez é que há um quê infantil naquele robô, assim como nos nossos. Toda vez que a humanidade é encarada por olhos frescos, a gravidade dos horrores é realçada. Nós, os adultos, já estamos calejados. É como quando estou dirigindo por aí com meu filho pequeno e ele me pergunta por que existe um homem morando na rua. O que pude responder foi que era uma situação complicada, que ainda não encontramos solução para isso e que o normal era se acostumar. Aí ele me retruca: “Será que é normal mesmo”? Às vezes, é preciso que uma criança ou um forasteiro erga um espelho à nossa frente.
Como exatamente surgiu a ideia de ter crianças em corpos adultos no protagonismo da história? Surgiu de questões sobre como seria o planeta Terra em 2120 e como seria possível defini-lo da forma mais sucinta possível. Chegamos à conclusão de que o mundo estaria assolado pela disputa de magnatas em nome do controle sobre os próximos passos da evolução humana e da tecnologia. A noção de transumanismo me levou a pensar que talvez as mentes adultas fossem fixas demais e que por isso fosse preciso começar com crianças. Foi assim que cheguei à analogia de Peter Pan.
Legion teve três temporadas bem amarradas e Fargo ainda está em aberto. O quão longe Alien: Earth pode ir? É difícil dizer. Não tenho uma ideia finita em mente, apenas um destino que me guia. Não sei quanto tempo precisarei para chegar lá, mas o ideal exigiria ao menos duas outras temporadas.
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