Em balanço sobre a agenda brasileira na Assembleia Geral das Nações Unidas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu mais detalhes nesta quarta-feira, 24, sobre o rápido encontro com seu homólogo dos Estados Unidos, Donald Trump, um dia antes.
“Tive a satisfação de ter um encontro com o presidente Trump. Aquilo que parecia impossível deixou de ser impossível e aconteceu”, disse. “Fiquei feliz quando ele disse que pintou uma química entre nós (…) A relação humana é 80% química e 20% emoção, acho importante essa reação e torço para que dê certo”.
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Ao final de uma parte improvisada em seu discurso na Assembleia Geral, na terça, Trump disse ter encontrado Lula rapidamente e que ambos concordaram em um encontro na próxima semana.
“Estava andando e o líder do Brasil também estava andando. Ele me olhou, eu o olhei, e nos abraçamos”, disse. “Concordamos que vamos nos encontrar na próxima semana, não tivemos muito tempo para falar. Algo como 20 segundos. Mas conversamos e concordamos em nos encontrar”, afirmou o republicano, destacando que os dois tiveram uma “química excelente”, o que é “um bom sinal”.
Sobre a relação com os Estados Unidos, tema de parte da fala brasileira na Assembleia Geral, Lula disse nesta quarta que fez questão de dizer a Trump que “temos muito a conversar”.
“Temos muitos interesses empresariais, industriais, tecnológicos, científicos. Somos as duas maiores economias e países do continente. Não há porque Brasil e Estados Unidos viverem em momentos de conflito”, disse. “Na minha relação com chefes de Estado, a coisa que eu mais respeito é se ele foi eleito pelo povo. Não quero saber se ele gosta ou não gosta de mim. Essa pessoa sendo eleita, ela merece meu respeito como chefe de Estado brasileiro na relação sobre os assuntos que interessam o Brasil”.
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, confirmou que a reunião será feita provavelmente por vídeo ou telefonema na próxima semana.
Embora Trump tenha usado parte de seu discurso para falar sobre o possível encontro com Lula, em tom amistoso, o presidente americano voltou a afirmar que o Brasil enfrenta tarifas “em resposta aos esforços sem precedentes de interferir nos direitos e liberdades de nossos cidadãos americanos, com censura, repressão, corrupção judicial, e mirando críticos políticos”.
“Como presidente, vou sempre defender nossa soberania nacional e o direito de cidadãos americanos. Sinto muito em dizer que o Brasil está indo mal e vai continuar indo mal. Eles só podem ir bem se estiverem trabalhando conosco”, disse.
As falas se dão em meio à deterioração da relação entre Lula e Trump. O republicano acusa o governo brasileiro e o Supremo Tribunal Federal (STF) de liderar uma “caça às bruxas” a Bolsonaro, recentemente condenado a 27 anos e três meses de prisão pelo envolvimento na trama golpista. O ex-presidente foi considerado culpado por liderar ou integrar organização criminosa armada, atentar violentamente contra o Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Em seu discurso na ONU, Lula não citou nominalmente Trump, mas criticou o uso “medidas unilaterais” e destacou que “nossa democracia e soberania são inegociáveis” e qualquer “agressão contra o poder Judiciário é inaceitável”.
Em retaliação ao trâmite judicial envolvendo Bolsonaro, o líder americano taxou em 50% os produtos brasileiros; sancionou o ministro Alexandre de Moraes, do STF, e sua esposa, Viviane Barci de Moraes, através da Lei Magnitisky, usada para punir estrangeiros acusados de violações graves de direitos humanos ou de corrupção em larga escala; e cancelou o visto de vários membros do STF, com exceção de Kassio Nunes Marques e André Mendonça, indicados por Bolsonaro, bem como Luiz Fux, que votou contra a condenação do ex-presidente.
Nesta segunda, poucas horas antes do início dos trabalhos na Assembleia, o governo brasileiro disse que sanções são uma “tentativa de ingerência indevida em assuntos internos brasileiros”, feita a partir de “inverdades”, e que “o Brasil não se curvará a mais essa agressão”.
“O recurso do governo Trump à Lei Magnitsky, no caso do Brasil, uma democracia que se defendeu, com êxito, de uma tentativa de golpe de Estado, não apenas é uma ofensa aos 201 anos de amizade entre os dois países. Representa também a politização e o desvirtuamento na aplicação da lei, como já manifestado recentemente por um de seus co-autores, o deputado James McGovern”, diz o texto publicado pelo Itamaraty.
Em entrevista ao jornal americano The New York Times em agosto, Lula definiu como “vergonhoso” o método de Trump de lançar ameaças a outros países através das redes sociais, criticando: “Quando você tem um desentendimento comercial, um desentendimento político, você pega o telefone, marca uma reunião, conversa e tenta resolver o problema. O que você não faz é cobrar impostos e dar um ultimato”. Embora tenha afirmado que o Brasil estava a aberto a negociações, destacou que não o faria “como se fosse um país pequeno contra um país grande”.
O petista voltou a criticar o tarifaço de Trump em um artigo de opinião publicado no NYT neste domingo, 14. Com o título “A democracia e a soberania brasileiras são inegociáveis”, Lula disse que decidiu escrever o ensaio para “estabelecer um diálogo aberto e franco com o presidente dos Estados Unidos”. No texto, ele salientou que “recorrer a ações unilaterais contra Estados individuais é prescrever o remédio errado” e que “o multilateralismo oferece soluções mais justas e equilibradas”.