counter Demônios da mente: os meninos que mudaram a história da psiquiatria – Forsething

Demônios da mente: os meninos que mudaram a história da psiquiatria

Um pai e uma mãe de classe média, 12 filhos, seis deles com diagnóstico de um transtorno mental. Uma saga que envolve alucinações, internações, sessões de eletrochoque, abusos, brigas e mortes. Como mostramos em reportagem recente de VEJA, uma família americana, os Galvin, protagonizou inúmeras crises e tragédias por causa de uma doença, a esquizofrenia. Mas também ajudou a mudar a compreensão científica desse distúrbio, sobretudo suas bases genéticas.

Sua história, que se desenrola no Colorado a partir dos anos 1950, é retratada em um livro-reportagem espetacular, Os Meninos de Hidden Valley Road, recém-publicado pela Editora WMF Martins Fontes. Conversamos com o homem que desencavou os detalhes – inclusive os mais tenebrosos – desse enredo e condensou suas descobertas em um relato instigante cujo pano de fundo são as lutas de uma família, a árdua evolução da medicina e a busca por esperança.

Com a palavra, o jornalista Robert Kolker.

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<span class=”hidden”>–</span>Foto: WMF Martins Fontes/Divulgação

O que o levou a investigar a história da família Galvin?
Na primavera de 2016, uma amiga me apresentou a duas irmãs do Colorado, Margaret Galvin Johnson e Lindsay Galvin Rauch, agora ambas na casa dos 50 anos, que eram as mais novas da família Galvin. Quanto mais eu ouvia sobre essa família, mais eu não conseguia acreditar na história delas. Era aterrorizante.

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Eu me perguntava como uma família dessas conseguia fingir permanecer unida em circunstâncias tão horríveis — por que essas irmãs não teriam fugido na primeira oportunidade que tiveram, para nunca mais voltar. Mas as irmãs, quando conversei com elas, mostraram que ainda tinham uma reserva de esperança. Elas me contaram como cada uma delas encontrou um caminho para superar a infância traumática. E me mostraram que sua família também tem um legado científico.

Acredito que a história da família Galvin tem muito a nos ensinar sobre como lidar com desafios e superar tragédias. Meu livro é sobre pessoas que se encontram traumatizadas e encontram maneiras de superar isso. É sobre encontrar a humanidade na tragédia. É sobre se recusar a se fechar. É sobre se recusar a se voltar para dentro. E, apesar de tudo o que as pessoas dessa família passaram, eu realmente acredito que é um livro sobre esperança.

Qual foi o maior desafio durante a pesquisa e o desenvolvimento do livro?
Levei um ano, antes mesmo de enviar a proposta do livro, para conversar individualmente com cada membro vivo da família Galvin, incluindo os três irmãos sobreviventes com problemas mentais e a matriarca da família, Mimi, que faleceu em 2017, enquanto eu escrevia. Eu queria ter certeza de que todos na família estavam prontos para falar sobre tudo o que havia acontecido com eles. Sinceramente, não tinha certeza se todos concordariam, mas concordaram. Acho que eles disseram sim porque veem a história da família como algo maior do que episódios clinicamente significativos. Eles veem como isso pode trazer conforto a muitas famílias que passam por problemas semelhantes e que são tentadas a não buscar ajuda ou a se abrir sobre o que estão passando.

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OS MENINOS DE HIDDEN VALLEY ROAD, de Robert Kolker (tradução de George Schlesinger; WMF Martins Fontes; 480 páginas; 99,90 reais)
OS MENINOS DE HIDDEN VALLEY ROAD, de Robert Kolker (tradução de George Schlesinger; WMF Martins Fontes; 480 páginas; 99,90 reais)//Divulgação

Foi o grande projeto da sua carreira?
Esse foi o desafio de uma carreira, com certeza: contar a história de uma família de 14 pessoas, com 12 filhos, cada uma vivenciando a história da família de forma diferente. Mas eu adoro sagas familiares intergeracionais como A Leste do Éden [romance do escritor americano John Steinbeck] e As Correções [obra do americano Jonathan Franzen], e por isso me senti animado em tentar… Mas o outro grande desafio foi encontrar um jeito de contar a história da ciência por trás da esquizofrenia sem parecer técnico demais.

Entre os personagens dessa história terrível e fascinante, qual o tocou mais?
Uma das entrevistas mais emocionantes que realizei para este livro foi com Mimi [a mãe]. Me encontrei com ela algumas vezes antes de sua morte em 2017. Frágil fisicamente, mas ainda mentalmente aguçada, Mimi tinha um orgulho teimoso da maneira como cuidava dos filhos e ainda se sentia magoada pelas críticas que lhe foram dirigidas ao longo dos anos — e por mais de um terapeuta atribuir a esquizofrenia dos filhos ao seu estilo parental.

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Aos 90 e poucos anos, ela ainda era boa em desviar das perguntas mais difíceis. Somente quando suas duas filhas se sentaram ao seu lado e insistiram para que ela se aprofundasse, Mimi se abriu um pouco mais, e toda a vergonha que sentira ao longo dos anos transpareceu. Perto do fim da vida de Mimi, seus filhos encararam muitas de suas decisões de forma diferente. Eles entenderam que ela cometeu alguns erros colossais — mas que também tinha opções muito limitadas e havia trabalhado incansavelmente para manter a família unida. E assim os filhos crescem e veem os pais com outros olhos. Isso não acontece com todos nós?

Do seu ponto de vista, qual foi o maior avanço na compreensão da esquizofrenia?
Há motivos para otimismo, em parte graças a famílias como os Galvin, que se ofereceram para pesquisas. Mais pistas genéticas estão sendo encontradas quase mensalmente. Pesquisadores estão fazendo grandes avanços nas formas de fortalecer a saúde cerebral de pessoas vulneráveis ​​ao desenvolvimento da doença antes que elas se tornem sintomáticas. A Brain & Behavior Research Foundation, por exemplo, opera como uma espécie de Sociedade Americana do Câncer para doenças mentais, arrecadando recursos privados para financiar pesquisas que não são tocadas pelo governo federal. Eles estão fazendo um grande trabalho, mas pesquisadores precisam de mais financiamento, não tenho dúvida, principalmente na área da prevenção. A melhor notícia de todas é que o estigma contra a esquizofrenia está diminuindo e, assim, mais pessoas estão recebendo intervenções precoces para evitar o pior da condição.

Qual seria o principal mistério científico que ainda persiste sobre a doença?
Por onde começar? Minha primeira surpresa foi que não houve nenhum avanço significativo no desenvolvimento de tratamentos farmacológicos para a psicose desde o lançamento do Thorazine e da clozapina, há mais de 50 anos. Some-se a isso o fato de que, mesmo depois de todo esse tempo, ninguém sabe exatamente como ou por que esses medicamentos funcionam. Além disso, há a impressionante carga de pensamento de grupo e viés que poluiu os campos da psiquiatria e da psicoterapia por gerações. E o triste fato de que, mesmo depois de todos esses anos, apesar dos grandes avanços no tratamento do transtorno bipolar, da depressão e de outras doenças, ninguém ainda consegue concordar sobre o que exatamente é a esquizofrenia.

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