Nesta semana de 22 a 28 de setembro, acontece a penúltima prova do Campeonato Mundial de Rally Raid com brasileiro na briga pelo título. Lucas Moraes aparece no terceiro lugar da classificação e compete em Portugal. O piloto que veio do motocross, hoje se dedica ao off-road sobre quatro rodas e já teve um resultado histórico em Dakar.
Lucas está atrás do líder Nasser Al-Attiyah da equipe Dacia Sandriders, e de Henk Lategan, seu companheiro de Toyota Red Bull. Para conquistar o título inédito em sua carreira, o brasileiro precisa superar o primeiro colocado na classificação nas duas últimas provas.
Paulistano, criado em uma família já bastante envolvida com esportes, Lucas competiu sua primeira prova de moto aos quatro anos de idade. A dedicação ganhou corpo quando completou 12 anos, e aos 15 se tornou piloto de fábrica da Suzuki. Participou do Campeonato Brasileiro de Motocross, e um ano depois foi para a Yamaha.
Uma doença no quadril o impossibilitou de competir sobre duas rodas no profissional, mas não o impediu de seguir competindo. O rally foi “amor à primeira vista”, como Lucas descreveu, e apesar de ser uma modalidade que exige muita experiência, já tem marcas históricas. Em seu ano de estreia no Mundial, em 2023, ficou em terceiro lugar em Dakar, se tornando o único brasileiro a subir no pódio na categoria carros.
Portugal é a quarta prova do campeonato, que começou com a mais tradicional: Dakar. Os pilotos então passaram por Abu Dhabi e pela África do Sul, antes de chegarem em terras lusitanas. Marrocos fecha o calendário da temporada.
Antes de embarcar rumo às últimas provas na Europa e na África, Lucas Moraes conversou com a VEJA. Confira:
O que te motiva a competir nas provas de rally? O que me move muito é o desejo de ganhar. Eu nunca imaginei quando eu comecei a andar de carro, de rally, fazendo os campeonatos locais. Você sonha, obviamente, ir pra Europa, fazer o campeonato do mundo, fazer um Dakar, mas é tão distante que você olha , você traça alguns planos, mas é muito difícil chegar. E quando eu fui pro meu primeiro Dakar em 2023, e eu fiz terceiro lugar, foi um resultado que jamais imaginei, o melhor resultado da história do Brasil. E isso acaba virando gasolina para você voltar e querer fazer melhor. Virou uma obsessão tentar e quem sabe ganhar um dia essa prova. Eu me dedico 100% para isso, é tentar fazer o esporte crescer e quem sabe entregar uma vitória pro Brasil no Dakar.
Qual a sensação de representar o país nas competições? Poder representar o Brasil é algo que eu não tinha essa noção. Mas como eu falei, depois do meu primeiro Dakar, com esse resultado tão importante para mim, eu sinto que acho que o foco aqui não é nem o Lucas em si, mas como a gente faz a modalidade crescer e se desenvolver mais. Então, correr em casa é uma maneira de desenvolver o esporte, eu fiquei muito triste que eu não consegui correr o Rally dos Sertões esse ano, mas sempre quando eu posso eu venho e participo porque me motiva muito. O carinho que eu tenho recebido em várias cidades que a gente passa é muito bacana. O Sertões passa por lugares muito remotos do Brasil e quando a caravana chega são 3.000 pessoas numas cidades eventualmente bem pequenas, mas as pessoas sabem meu nome, vem falar, vem conversar.
No Campeonato Mundial, quais são as suas chances de título? Nós estamos indo para as duas últimas etapas do Mundial, Portugal e Marrocos. Eu estou em terceiro, atrás do Nasser [Al-Attiyah], que é cinco vezes campeão de Dakar e o atual campeão do mundo. Ele é do Qatar. E o Henk [Lategan], que é o meu companheiro de equipe na Toyota, está em segundo, ele é da África do Sul. Nós estamos muito próximos, eu e o Henk, mas o Nasser tá um pouquinho na frente. Essa etapa de Portugal é muito decisiva. Eu tenho que chegar provavelmente entre os três e o Nasser para trás de sexto pra gente poder encostar bem nele. Então tem são muitas variáveis para poder pontuar aqui, mas basicamente é essa, tentar umas duas, três posições na frente do Nasser na geral da prova vai ser bem importante.
E como você se prepara para as provas? A preparação eu sempre falo que tem três formas. A primeira é o específico. Então é o treino de carro. Eu fui pra Europa há duas semanas, a gente testou [o carro] com a equipe, você faz uma preparação específica de acordo com o que a gente imagina que vai ser a prova. A gente simula o que vai ser a prova, o tipo de piso, de terreno. Depois você tem a preparação física. Então eu uso muito a bicicleta para a parte aeróbica e toda a parte de musculação mesmo para parte de core, ombros e pescoço. Porque não parece, mas toda essa parte de membros superiores especialmente é muito muito utilizada, porque a gente toma muita ‘pancada’ dentro do carro. Brincamos que às vezes parece que você tá lutando dentro do carro, porque você tá andando tão rápido, e a gente não anda em asfalto, tem erosão, tem salto, tem subida, descida. Então, toda essa parte física é muito importante. As pessoas às vezes falam ‘pô, vou lá andar no seu carro’, mas dá 2 km e a pessoa não consegue mais voltar direito. E a terceira é a parte mental. Eu faço um trabalho de preparação, de estudar a prova, de tentar estar com um mindset melhor possível para chegar bem, mas óbvio que a pressão existe, faz parte de qualquer esporte de alto rendimento.
Agora já no seu segundo ano completo no campeonato, como você enxerga os circuitos? A gente passa a entender um pouco mais das regiões que a gente vai, porque normalmente as regiões não mudam tanto. Por exemplo, no Dakar na Arábia Saudita, a gente vai pro norte da Arábia Saudita, e você sabe mais ou menos o que que você vai encontrar de terreno, do tamanho de Duna, se tem pedra ou não. Mas a gente não sabe exatamente qual a estrada que a gente vai passar. Então, de fato, a gente começa a ganhar experiência. E é por isso também que o Dakar é uma prova que exige muito da parte mental e da experiência. É muito raro na categoria carros, jovens ganharem Dakar, porque você precisa de uma certa milhagem para entender da estratégia, aonde atacar, onde defender. Por exemplo, o Carlos Sainz, pai do Carlos Sainz [Jr.] da Fórmula 1, ele já ganhou quatro vezes Dakar. Ganhou em 2024 com 60 anos, se eu não me engano. Então é um esporte que tem essa longevidade e demanda uma experiência muito relevante.
Como você descreveria a modalidade para alguém que não conhece? Eu diria que o rally talvez seja o esporte que mais exige da parte mental, porque especialmente o Dakar, tem uma duração de duas semanas. Você está andando num deserto, em um lugar que você nunca passou e você tem que ser o mais rápido. Então, acho que essa dinâmica de você ser o mais rápido onde você nunca passou, é o que faz, acho que do rally um esporte tão fascinante. E é óbvio que você está em lugares fantásticos, em termos de natureza. E você tem uma interação muito grande com a equipe, porque sem a equipe você não consegue, obviamente, performar. Então, toda essa combinação é um desafio realmente enorme para poder fazer um evento como o Dakar.
Qual dica você daria para quem quer começar na modalidade? No Brasil, a categoria que mais cresce hoje é a dos UTVs. Os UTVs são, como se fosse um carro pequenininho, como uma gaiola pequenininha. E hoje, por exemplo, nos Sertões tem mais de 100 competindo. Essa categoria hoje tem equipes que fornecem o que a gente chama de sit and drive. Você pode alugar como investimento para começar e você tem todo o suporte da equipe, navegador, um carro para você andar. Então é realmente chegar, sentar e dirigir. E você tem campeonatos locais, por exemplo, a UTV Cup, que é como se fosse um campeonato paulista. Tem também no Nordeste, a Mitsubishi Cup, que também é uma é um campeonato de entrada. Então, eu diria que o começo seria procurar essas equipes que possam dar esse suporte para você conseguir mostrar o seu potencial para eventualmente depois patrocinadores ou outras equipes maiores. Assim como é no kart, você faz investimento, vai pro kartódromo, faz as etapas e um dia, quem sabe você chega nas categorias principais. Então, nesse ponto é muito similar.