É bom ter amigos em lugares importantes e a simpatia de Donald Trump contou muito na “tábua de salvação”, a declaração de que os Estados Unidos “farão o que for necessário” para ajudar a Argentina a atravessar o mau pedaço do momento. Com um amigão assim, o dólar caiu e o risco país retrocedeu, mas muitas dúvidas continuaram no ar.
Scott Bessent, o portador das boas notícias para Javier Milei, abrangeu todas as opções para chover na horta desesperadamente seca – incluindo “linhas de swap, compras diretas de divisas e compras de dívida pública”. Kristalina Georgieva, a “mulher”do FMI, como foi descrita por um vizinho que nunca, jamais, cometeria um ato de misoginia, aprovou a mão amiga, descrita como “o papel crucial dos sócios na promoção de políticas sólidas de estabilização e crescimento em benefício do povo argentino”.
Por enquanto, vai ter que continuar na geladeira a champanhe que os inimigos das ideias de Milei – praticamente toda a humanidade, principalmente a parte que venera o estado grande, excetuando-se os libertários e os que nele projetam anseios de direita populista.
Milei teve esse dom de se transformar no espelho no qual se refletem amigos e inimigos, os primeiros achando que sua original experiência libertária é um exemplo para o mundo; os segundos torcendo pelo fracasso da coisa toda . Bessent explicitou esse processo ao dizer que a Argentina é um “aliado sistêmico dos Estados Unidos na América Latina e o Departamento do Tesouro está disposto a fazer o que estiver a seu alcance para apoiar” o país.
MUDANÇA NA ALMA
É uma declaração formidável de apoio, mas também revela as fragilidades das reformas econômicas de Milei, cuja tarefa quase impossível é convencer os argentinos – e os mercados – de que o projeto vai dar certo e niinguém precisa sair correndo para comprar os dólares dos quais retirou os controles, numa iniciativa muito criticada, pela forma, inclusive por economistas simpáticos ao projeto mlleinarista.
Além dos aspectos econômicos do projeto extremamente ambicioso de mudar não só os fundamentos, mas a própria alma do país, com choques sucessivos de liberalização e diminuição da presença do estado, a maré política também vai mal para Milei.
Duas acusações sucessivas de corrupção acertaram na pessoa que é responsável por toda a armação política do governo, a amada e indemissível irmã presidencial, Karina Milei. “O poder do governo está a cargo de uma mulher que, no ano passado, administrava uma rotisseria e vendia bolos”, atacou o ex-presidente da Câmara, Emilio Monzó.
“Não pode ser que não haja um ministro do Interior neste momento de conflitos políticos no Congresso. Não pode ser que Karina Milei seja quem conduza o poder na Argentina, tem que ter experiência, no mínimo o conhecimento biográfico dos setores”.
Até quem não é de oposição tende a pensar como Monzó, embora sem coragem para falar em on contra a irmã todo-poderosa. Os índices de aprovação ao governo são os piores desde a posse de Milei. Uma pesquisa da Opina Argentina pintou um quadro desastroso: 58% fazem uma avaliação negativa do governo, contra 39% de opiniões positivas.
‘UM PEQUENO ENCORAJAMENTO’
É claro que os peronistas, sob diferentes denominações – agora, é Força Pátria a palavra de ordem – , sentem o cheiro de sangue e ousam até pensar numa vitória contra Patricia Bullrich na disputa por um lugar no Senado, na eleição legislativa de outubro, agora tratada como a pá que vai cobrir Milei de cal. “Nosso primeiro compromisso é ser a voz dos argentinos que estão ralando o traseiro por causa desse governo cruel, covarde e ***** da ****”, disse o candidato a senador da coalizão peronista, Mariano Recalde, com a típica classe da sua categoria.
Têm razão os que dão Milei por derrotado? Os que enxergam um futuro enfraquecimento do apoio de Trump diante de demandas cada vez maiores? Os que ficam bem perto da geladeira para não perder a chance de abrir a champanhe tão logo sobrevenha a derrocada?
A história argentina toda conspira para dizer que Milei vai fracassar – e, aliás, é um prodígio que tenha durado até aqui. Dois dias depois do golpe militar de 1976, Henry Kissinger disse que o novo regime precisaria de “um pequeno encorajamento de nossa parte”. O peronismo tal como praticado pela desorientada herdeira presidencial, Isabelita Perón, havia quebrado a Argentina, um fenômeno que se repetiu posteriormente, sob diferentes orientações políticas. Nem o encorajamento americano, no fim, foi sustentável.
Talvez a mais importante tarefa de Milei fosse provar que a Argentina não é um caso perdido. Terá ele ainda a chance de fazer isso?