“Todo câncer é hereditário?” A resposta para essa pergunta, que ouço quase todos os dias, é mais complexa do que parece. Embora todo câncer seja genético, pois é resultado de mutações que se acumulam nos genes que controlam o crescimento das células, apenas 10% dos casos são causados por mutações herdadas em genes que aumentam o risco de desenvolver a doença. Casos de câncer diagnosticados em idade jovem, vários casos em uma família ou mesmo mais de um câncer em uma única pessoa são sinais da necessidade de fazer um teste genético.
E a consulta com um geneticista é essencial não só para entender as indicações, mas, principalmente, as implicações do resultado. É importante saber que painéis genéticos com muitos genes, por exemplo, nem sempre são a melhor opção. E foi com a intenção de definir qual o melhor teste genético para pessoas com câncer de mama que a Sociedade Europeia de Oncologia (ESMO, na sigla em inglês) reuniu um grupo de 18 experts mundiais, o EWG – Expert Working Group – para o qual fui convidada como representante da América Latina.
O tema é extremamente atual. Com o avanço das terapias e a maior disponibilidade de exames, é preciso definir quais genes incluir nos painéis genéticos para cânceres de mama. Para além do risco genético, é preciso considerar o impacto clínico e de saúde pública que temos frente ao diagnóstico em uma família e, especialmente, como isto se traduz na redução da mortalidade e melhores desfechos clínicos para nossos pacientes.
Com esse desafio, chegamos à recomendação de que os painéis de testes genéticos para câncer de mama incluam apenas os genes com impacto comprovado na saúde da paciente. Isso significa que o teste não deve apenas identificar um risco, mas sim ajudar em decisões que possam salvar vidas e aprimorar os tratamentos.
O painel central recomendado inclui sete genes: BRCA1, BRCA2 e PALB2, essenciais porque suas alterações permitem o uso de terapias-alvo, cirurgias preventivas e monitoramento que mudam o prognóstico da doença. RAD51C e RAD51D foram incluídos por seu impacto no câncer de mama e de ovário. O gene TP53, por sua vez, foi recomendado para casos de câncer de mama diagnosticados antes dos 40 anos, e o gene BRIP1 por sua utilidade clínica-pública.
É importante ressaltar que essas orientações precisam ser adaptadas à população brasileira, que é geneticamente diversa. A variante R337H do gene TP53, por exemplo, é mais comum no Brasil, o que torna a síndrome de Li-Fraumeni mais frequente em nosso país. Por isso, a recomendação de teste para esse gene pode ser mais ampla no Brasil, incluindo casos de câncer de mama no Sul e Sudeste, por exemplo, e não apenas aqueles diagnosticados antes dos 40 anos.
No Brasil, o acesso a testes genéticos e cirurgias preventivas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ainda é limitado. O Projeto de Lei 5.181/2023, que busca garantir testes genéticos para mulheres de alto risco, foi aprovado no Senado no dia 10 de setembro e agora segue para a Câmara dos Deputados. Equipes multidisciplinares permitirão que o aconselhamento genético seja realizado de forma adequada. Por meio de formação contínua, estarão preparados para interpretar os resultados de painéis genéticos, lidar com variantes de significado incerto, comunicar risco e acompanhar os pacientes.
O diagnóstico precoce de mutações genéticas pode salvar vidas, permitindo cirurgias preventivas, vigilância e terapias específicas que reduzem a mortalidade. Além de seus benefícios para o paciente e sua família, o acesso a esses exames também traz vantagens econômicas significativas para o sistema de saúde, pois o diagnóstico precoce permite descobrir os tumores mais precocemente, tratamentos mais resolutivos e menos onerosos para todo o sistema de saúde.
*Maria Isabel Achatz é médica oncogeneticista e geneticista coordenadora do Núcleo de Genética Médica do Hospital Sírio-Libanês