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SUS: enfrentar desafios com visão estratégica

Neste mês de setembro, o SUS completa 35 anos. Concebido no âmbito da chamada Constituição Cidadã, de 1988, o Sistema Único de Saúde foi implantado em 1990. De lá para cá, muita coisa aconteceu: transformação drástica do perfil epidemiológico da população, crescimento demográfico, rápida evolução da medicina, avanços tecnológicos, mudanças climáticas – e a pandemia de covid-19, uma emergência sanitária de grandes proporções, que pôs à prova a resiliência do sistema e reforçou sua importância. Nesse cenário, um problema crônico ainda persiste: o subfinanciamento. Como garantir a sustentabilidade do sistema diante das novas demandas e das limitações fiscais?

O SUS, como sabemos, é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, responsável por atender mais de 76% da população brasileira, que depende exclusivamente dele. Quando foi criado, seu grande desafio era tornar o atendimento universal, incluindo uma grande parcela da população que, por não ter trabalho formal (com carteira assinada), não era atendida pelo antigo Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) e dependia apenas de instituições filantrópicas, como as Santas Casas. Naquele momento, o mundo já vivia o flagelo da Aids, que, além de desafiar a ciência, carregava estigmas. Em 1991, o jovem SUS já distribuía antirretrovirais aos infectados, tornando-se referência internacional na luta contra a doença.

Naquela época, quando o Brasil tinha uma população de cerca de 150 milhões de habitantes, havia alta prevalência de doenças infecciosas, como diarreia, tuberculose e hanseníase. Hipertensão, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer começavam a afetar um número crescente de pessoas, fruto do avanço da urbanização, de mudanças nos hábitos alimentares, do sedentarismo e do envelhecimento da população. Hoje, quando temos uma população de mais de 213 milhões de pessoas, essas doenças crônicas, que começavam a emergir no período, são as principais causas de morte e incapacidade no país.

Desde o nascimento do SUS até agora, a mortalidade infantil, que ainda era bastante elevada, teve queda acentuada, e a expectativa de vida no país subiu de 65 para 76 anos de idade. Com o envelhecimento da população, aumentam os desafios da saúde, pois mais pessoas precisarão de atendimento contínuo para doenças complexas, tratamentos para doenças degenerativas, serviços de reabilitação, cirurgias e internação hospitalar, enfim, aumenta a demanda por cuidados de longo prazo.

Os avanços trazidos pela pesquisa, pela tecnologia e pela indústria farmacêutica, com terapias genéticas individualizadas para diversos tipos de câncer e medicamentos para doenças raras, são promissores, mas vêm acompanhados de elevados custos, que o sistema tem dificuldade de absorver. Segundo estudo da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, as despesas com saúde devem crescer, em média, 3,9% ao ano até 2070. Esse ritmo supera o limite de crescimento previsto no novo arcabouço fiscal, que é de apenas 2,5% ao ano. Isso significa que, mesmo que o país queira investir mais, o modelo atual de regras fiscais não comporta esse aumento sem cortes em outras áreas.

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A situação fica um pouco pior quando o Brasil é comparado com os 38 membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Para atingir o padrão médio de gasto per capita desses países, seria necessário elevar os gastos com saúde dos atuais 9,1% do PIB (dos quais apenas 4,1% se referem à saúde pública) para 19%. Um salto como esse é inviável sem uma profunda reestruturação orçamentária. O aumento de receitas, no entanto, não é a única solução possível – e, diante do cenário, parece ser a menos aplicável.

O avanço tecnológico não deve ser visto apenas do ponto de vista do gasto com a incorporação das inovações, embora esse seja um dos fatores que pressionam a inflação médica. A telemedicina, por exemplo, é um verdadeiro case de sucesso, impulsionado pela pandemia. Além de ampliar o acesso da população aos serviços médicos, chegando a regiões remotas do país, gera economia – com redução de deslocamentos, menos encaminhamentos a unidades de pronto-socorro e melhor aproveitamento do tempo médico. Evitar o desperdício é também uma forma de gerar receita.

Nesse sentido, investir na interoperabilidade de sistemas, tecnologias e instituições é outro meio de aproveitar melhor os recursos disponíveis: evita-se a duplicidade de exames, agilizam-se diagnósticos e início de tratamento graças ao acesso ao histórico completo do paciente e, finalmente, reduzem-se custos operacionais e administrativos. O uso da inteligência artificial, por sua vez, está apenas começando, mas já mostra caminhos para tornar o atendimento mais eficiente, inclusive identificando padrões em dados de saúde que indicam risco de doenças antes que elas se manifestem, o que permite fazer intervenções precoces e evitar tratamentos caros.

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Outra estratégia inteligente, em que todos ganham, é fortalecer a atenção primária e, sobretudo, os programas de prevenção – com campanhas de vacinação e antitabagismo, incentivo a rastreamento precoce de doenças, estímulo à atividade física e prática de educação alimentar nas escolas. Prevenir doenças é melhor e mais barato que curar doenças.

Quanto aos inevitáveis gastos com medicamentos, sobretudo os de alto custo, que pressionam os orçamentos de saúde globalmente, pode ser conveniente um pouco mais de ousadia nas negociações até que se chegue a preços justos. Segundo dados do Instituto IQVIA, 78% dos medicamentos oncológicos que entraram no mercado americano nos últimos cinco anos representam um custo anual de mais de 100 mil dólares e 60% deles respondem por mais de 200 mil dólares.

No Brasil, o medicamento Zolgensma, indicado no tratamento da AME (atrofia muscular espinhal), custa quase 7 milhões de reais por paciente. Estima-se que haja no país mais de 1.500 pessoas com a doença, das quais cerca de 130 são elegíveis para receber uma dose. O Elevidys, recomendado para crianças com a síndrome de Duchenne, pode custar 20 milhões de reais por paciente. Calcula-se que surjam 700 casos novos por ano da doença.

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O Zolgensma já é distribuído pelo SUS graças a um acordo de compartilhamento de risco, segundo o qual a farmacêutica só recebe o valor se o tratamento for, de fato, eficaz. O Elevidys tem chegado ao país por via judicial, o que, dada a urgência de cumprimento de sentença, pode não favorecer a negociação. De todo modo, preços tão altos não se justificam inteiramente pelo investimento feito na produção dos medicamentos, mas antes pela posição monopolista dos grandes laboratórios e pelo fato de seus clientes serem governos, não famílias. Daí a importância de negociar: o Brasil, com o tamanho de sua população, pode extrair daí alguma vantagem. A indústria, por sua vez, vem oferecendo descontos maiores a parceiros que mantêm sigilo sobre preços acordados, evitando assim que um valor mais baixo sirva de referência no mercado. Talvez o Brasil deva pensar nessa opção.

O estudo da IFI sugere que, sem flexibilização do arcabouço fiscal, o SUS continuará subfinanciado, mas esse é um ponto muito delicado, pois uma alteração nas regras tende a produzir impactos profundos na economia, na confiança dos investidores e na capacidade do Estado de financiar políticas públicas. Diante disso, parece mais viável buscar modelos de parceria com a iniciativa privada, que poderia participar de áreas como diagnóstico, gestão hospitalar e inovação, ampliando a capacidade de atendimento sem sobrecarregar o orçamento público. O programa Agora Tem Especialistas, recém-implantado, aproximou os sistemas público e privado, mostrando um caminho que pode ser estratégico para o SUS.

O aniversário de 35 anos do nosso sistema público universal é uma oportunidade para refletir sobre seu papel e projetar seu futuro. Garantir sua existência para as próximas gerações exige mais que recursos: é preciso visão estratégica, inovação e compromisso político.

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