Por uma dessas indiscrições que a tecnologia permite, ficamos sabendo de uma conversa inusitada entre o presidente russo, Vladimir Putin, e o dirigente da China, Xi Jinping. Enquanto caminhavam em Pequim, os líderes falaram sobre a possibilidade de prolongar, ou até eternizar, a existência, por meio de transplantes de órgãos. Os dois septuagenários sentiam-se ainda muito jovens diante do que a tecnologia médica pode lhes oferecer. Putin sempre divulgou imagens em que aparece praticando exercícios. Xi também é um notório fã de esportes, embora visivelmente mais discreto. Não me lembro de ter visto uma foto sua em que não usasse terno e gravata ou o traje tradicional chinês. Os líderes sabem, portanto, a relevância da atividade física, até porque precisam de muita energia para estar há tanto tempo à frente de duas enormes potências. Mas me espantou que a expectativa deles fosse a de recorrer a cirurgias para viver mais.
Não é uma questão apenas de governantes poderosos. Nos últimos anos, alguns dos maiores investidores do planeta, do Vale do Silício a fundadores de empresas de tecnologia e biotecnologia, têm colocado bilhões de dólares em startups que prometem retardar ou reverter o envelhecimento, rejuvenescer células e desenvolver medicamentos capazes de ampliar não só a expectativa, mas a qualidade de vida. Há quem aposte em terapias celulares, quem veja na inteligência artificial a chave para descobrir novas drogas e até quem gaste fortunas em regimes pessoais para ter, aos 50, exames compatíveis com os de alguém de 20.
“Uma questão filosófica: se você soubesse que jamais morreria, quais seriam suas prioridades?”
É claro que a ideia de prolongar indefinidamente a existência não é nova. O fascínio da literatura com o potencial da ciência está em grandes obras da língua inglesa, que se tornaram clássicas justamente porque o tema é, com perdão da ironia, imortal. Temos o Frankenstein, em que o cientista obcecado em gerar vida no laboratório acaba criando um monstro. A busca pela juventude eterna é o mote de O Retrato de Dorian Gray, no qual uma pintura envelhece no lugar de seu dono. Mesmo o vampiro mais famoso de todos, o Drácula, é um ser que se eterniza à custa de sangue novo.
Hoje, porém, o grau de realismo científico já ultrapassa a ficção. Ao mesmo tempo, surgem questões filosóficas: se a imortalidade estivesse ao alcance, qual você escolheria? A do corpo que se mantém jovem indefinidamente? A da mente que não perde memória nem clareza? Se você soubesse que jamais morreria, quais seriam suas prioridades na vida?
Se tento responder, imagino que não gostaria de uma existência infinita sem a companhia das pessoas que amo. A minha escolha talvez recaísse sobre a eternidade da experiência afetiva, a possibilidade de atravessar gerações com os meus. Mas, no fundo, tenho para mim que o mais decisivo é viver bem a vida que se tem, sem jamais descuidar dela. Os cuidados preventivos de saúde, com boa alimentação e, sempre, o exercício, continuam sendo os pilares mais concretos para viver muito e, sobretudo, melhor. Foi graças à cultura de investir nesses cuidados que os avanços médicos nos proporcionaram o maior salto de qualidade de vida das últimas décadas. Que a vida possa, como o amor do poeta Vinicius de Moraes, ser infinita enquanto dure.
Publicado em VEJA de 19 de setembro de 2025, edição nº 2962