O deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS), vice-líder da oposição, acionou a Procuradoria-Geral da República (PGR) para pedir uma investigação a respeito da provável atuação de uma milícia digital a favor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas redes sociais. O caso foi revelado por VEJA a partir de uma pesquisa que mostrou a ação massiva de perfis que publicam conteúdos favoráveis ao presidente — e contrários a adversários, como o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos).
O ofício enviado pelo parlamentar ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, aponta que o uso de perfis automatizados com o propósito de manipular o debate público, de amplificar artificialmente postagens em benefício de um agente público e de atacar adversários possivelmente representa violações à legislação penal e eleitoral.
Do ponto de vista penal, aponta Sanderson, as práticas podem se enquadrar em ao menos três crimes: associação criminosa (caso seja comprovada a existência de organização de tarefas para a “prática sistemática de crime contra a honra ou a fé pública”); falsidade ideológica ( sehouver manipulação de perfis falsos com identificação simulada de pessoas reais); e calúnia, difamação ou injúria caso comprovados os ataques a adversários políticos com imputações falsas ou ofensivas à dignidade).
“A Constituição Federal assegura a liberdade de manifestação do pensamento e de expressão. No entanto, tais garantias não são absolutas, devendo conviver harmonicamente com outros princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, o pluralismo político e, especialmente, a lisura e isonomia dos processos eleitorais”, diz o ofício.
Já do ponto de vista eleitoral, o deputado aponta que as Lei das Eleições, que trata do uso indevido de meios de comunicação para fins eleitorais, proíbe práticas de impulsionamento oculto, de conteúdo falso e de perfis inautênticos. “A eventual utilização de estrutura financiada ou institucional para manipulação de redes sociais pode caracterizar abuso de poder político e econômico, sujeitando os envolvidos à perda do mandato eletivo ou inelegibilidade”, afirma
Além disso, sustenta o pedido de investigação, o uso de automação e robôs para amplificar artificialmente conteúdo pode violar o Marco Civil da Internet. especialmente no que se refere à garantia da transparência, da autenticidade e da responsabilização pelo conteúdo disseminado em rede. “O uso de redes sociais para simular apoio político, influenciar artificialmente a opinião pública, desinformar e atacar reputações não apenas afeta a higidez do debate democrático, como compromete a igualdade de condições entre candidatos, além de configurar afronta direta à boa-fé objetiva nas interações digitais”.
Pedido de investigação
Com base nos pontos levantados, Sanderson pede que a PGR abra uma “investigação minuciosa e urgente” para verificar a existência de estrutura organizada para manipulação digital de conteúdo político e apurar a possível utilização de verbas públicas, financiamento irregular ou utilização de estruturas partidárias ou governamentais para alimentar tais práticas.
O ofício também solicita que sejam requisitados dados técnicos das plataformas digitais, além de registros e metadados dos perfis mais ativos citados no estudo, incluindo informações de IP, logs de acesso, geolocalização e eventual uso de automação (bots).
Por fim, o deputado também defende que a investigação avalie a existência de conexão entre agentes públicos, políticos ou partidos com a operação dessas redes artificiais.
A pesquisa
Um levantamento feito para analisar a reputação dos presidenciáveis brasileiros nas redes sociais apontou a alta possibilidade da atuação de robôs e outros perfis suspeitos a favor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ambiente digital — e, simultaneamente, contra nomes da oposição, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A pesquisa foi realizada com a ferramenta Brandwatch, que faz o monitoramento de plataformas com o uso de inteligência artificial para interpretar e analisar conversas online. O período de coleta foi de 1º de julho a 2 de setembro deste ano.
O relatório apontou que, no período, o nome do presidente Lula foi citado em mais de 8,7 milhões de postagens, o que representa um volume quase sete vezes superior ao registrado para o segundo presidenciável mais mencionado, o Tarcísio de Freitas, que teve cerca de 1,2 milhão de menções.
Outro ponto verificado foi o volume de menções que cada presidenciável tinha nas redes. Tomando os 25 publicadores mais ativos, o perfil mais ativo (@tvcidooficial, no X) publicou, no período, 13.754 vezes sobre Lula — uma média de 214 menções por dia –, chegando em alguns dias a ultrapassar mil publicações. Entre as palavras mais utilizadas pelos perfis que mais falaram sobre Lula, estão termos como “Brasil”, “soberano”, “guerreiro”, “congresso”, “Bolsonaro preso”, “Lula é o povo”, entre outros.
Esses perfis, em apoio a Lula, aponta a pesquisa, buscam associar Tarcísio, seu principal adversário, a termos como corrupção, o PCC (o Primeiro Comando da Capital, que é alvo de megaoperação deflagrada pelo Ministério Público do estado), e ao próprio ex-presidente Jair Bolsonaro.