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Qual será nosso caminho?

Em momento de grande iluminação, Antonio Machado, poeta do modernismo espanhol, sentenciou: “Caminhante, são teus passos o caminho e nada mais. Caminhante, não há caminho, faz-se o caminho ao caminhar. Ao andar se faz o caminho, e ao voltar a vista atrás se vê a senda que nunca se há de voltar a pisar. Caminhante, são tuas pegadas o caminho e nada mais. Caminhante, não há caminho, se faz o caminho ao caminhar”.

É um chamado à reflexão sobre angústias ancestrais da humanidade a respeito do nosso lugar no mundo e qual é nosso papel por aqui. É um convite ao desafio a se tornar adulto, para passar a vida a limpo, assumir responsabilidades pelo passado e tomar consciência de algo que nem sempre nos damos conta: somos livres, fundamentalmente livres para deliberar sobre o futuro, porque mesmo a escolha de não deliberar significa aceitação das circunstâncias dadas; e seremos escravos das consequências de nossas escolhas, pelas quais sempre haveremos de prestar contas.

O texto, de cunho quase oracular, não seria mais pertinente às circunstâncias atuais do país. Há poucos dias foi finalizado o julgamento dos envolvidos no 8 de janeiro, Jair Bolsonaro e outros foram condenados por tentarem um golpe de Estado. Para eles, vem o momento de suportar as consequências de suas escolhas; para nós, surge a oportunidade de escolhermos virar a página, para voltarmos a falar dos desafios econômicos e fiscais que devem ser enfrentados. Vamos ver.

Em junho de 2025, a Instituição Fiscal Independente do Senado – IFI divulgou estudo dando conta de que a dívida pública será equivalente a 100% do PIB nos próximos anos, por volta de 2030, e somente uma reforma administrativa robusta poderá impedir a calamidade. Mas, já em 2027, segundo o próprio IFI, o país passará por um estrangulamento fiscal com 100% das receitas comprometidas com as despesas obrigatórias.

Para o leitor entender o que isso significa, pense na estrutura do poder público em geral e suas atividades, como manutenção de hospitais e obras públicas. A se confirmarem os cenários propostos pelo IFI, o país não terá condições de adquirir medicamentos, utensílios hospitalares, sacos de lixo, material de limpeza e outros itens necessários à saúde. Obras poderão ser deixadas de lado e as que estiverem andamento talvez tenham dificuldades em ser finalizadas. Títulos da dívida pública, se vierem a ser inadimplidos, provocarão maciça fuga de dólares do país. Considerando esse universo, eventual default implicará em quebradeira geral, um verdadeiro efeito dominó.

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Mas o governo aposta que as despesas não devem ser cortadas, acredita que a gastança generalizada e inescrupulosa há de ser bancada por tributos cada vez maiores.

Tomemos como exemplo o Projeto de Lei n. 1.087/2025, que veio para dar isenção do imposto de renda a pessoas físicas com renda até cinco mil reais por mês e reduzir a carga fiscal para aqueles com rendimentos até sete mil reais por mês. Em contrapartida, o governo pretende tributar os lucros recebidos por sócios ou acionistas de empresas, caso sejam superiores a seiscentos mil reais por ano.

Há quem comemore a medida, dizem ser um absurdo que empresários ganhem tanto dinheiro sem pagar imposto e que somos um dos únicos países do mundo a não tributar dividendos. Pois aqui vai um recado: nenhuma Suprema Corte no mundo validou a quebra automática da coisa julgada, é a oficialização da insegurança jurídica; em nenhum país do mundo os empresários convivem com tanta insegurança como a que temos com as regras trabalhistas e sua vacilante jurisprudência; em nenhum país do mundo o presidente da República vai aos jornais para dizer que quer cancelar privatizações. Em outras palavras, nenhum país do mundo é o nosso país, onde a inconstância e a insegurança são as únicas regras que seguramente não mudam. A isenção de imposto de renda sobre dividendos é um dos únicos prêmios que empresários têm para investir recursos no Brasil. Na falta do benefício, como ficará o apetite ao risco que o país representa?

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Também tivemos a nefasta tentativa da equipe econômica de aumentar a arrecadação por via da restrição ao uso de créditos fiscais aos quais o contribuinte faz jus. Vocês vão lembrar, foi a noticiada “MP do Fim do Mundo”, que, se fosse aprovada, levaria à bancarrota, do dia para noite, parcela significativa do agronegócio, da cadeia mercantil de medicamentos, produtos de higiene pessoal e tantos outros segmentos. A sociedade civil se mobilizou e o governo recuou, mas foi por um triz.

Não podemos esquecer da Reforma Tributária, cujos efeitos começam a irradiar em breve. Será especificamente em janeiro de 2027, quando os atuais tributos sobre receitas – PIS e Cofins – darão lugar à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Do mesmo modo que outros tributos, a CBS também será regida pela não cumulatividade, o que quer dizer que os contribuintes poderão se apropriar do valor do tributo recolhido por seus fornecedores, repassados nos preços, para abater do montante a ser recolhido nas operações posteriores.

Todavia há problemas, um dos principais é a sangria a que a CBS vai sujeitar as empresas do Simples Nacional. Segundo os panoramas normativos de hoje, essas empresas são tributadas a frações ínfimas das alíquotas de PIS e Cofins, mas isso não impede que seus clientes possam tomar créditos pela totalidade das alíquotas. É um baita benefício, porque os tributos embutidos no preço são muito inferiores aos créditos fiscais que podem ser tomados, e o resultado dessa conta matemática representa ganho financeiro considerável.

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Mas nem sempre foi assim. Nos anos 2000, a Receita Federal restringia os créditos que os contribuintes adquirentes poderiam tomar. O resultado foi inevitável: as empresas do Simples Nacional quase faliram porque seus clientes passaram a comprar bens e serviços de empresas que ofereciam a eles créditos fiscais integrais nas aquisições. O cenário foi revertido em 2007, quando o fisco federal divulgou nova orientação autorizando o creditamento.

No texto atual da Lei Complementar n. 214/2025, os contribuintes que adquirirem bens e serviços de empresas do Simples Nacional não poderão aproveitar créditos integrais. Como vimos, no passado isso já provou ser um problema e, agora, mantidas as atuais regras, é provável que a limitação venha a causar estrangulamentos nas contas das pequenas e médias empresas. Aqui também há quem bata palmas, argumentam que o Simples Nacional é um gasto tributário, uma deficiência do sistema que representa perdas à arrecadação.

Arrisco dizer que a medida é maquiavelicamente pensada. Se for isso mesmo, os titulares dessas empresas deverão migrar para outro sistema de apuração tributária – lucro real ou lucro presumido. Ou, pior ainda, pode ser que grande parcela dos titulares dessas empresas, que antes eram informais e encontraram no Simples Nacional uma chance de se regularizarem, fujam novamente para a informalidade. Para termos ideia de números, atualmente o Brasil conta com cerca de 24 milhões de empresas e, dessas, em média 80% são do Simples Nacional. Imagine se decidirem virar informais?

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Mas nada disso estava no foco das atenções dos últimos meses. Se um ser de outro planeta viesse passar férias por aqui em terras tupiniquins, ele poderia jurar que somos um país com as contas em dia e com carga tributária amena, já que nada mais é falado ou debatido. Escolhemos jogar confetes para a disputa entre Jair Bolsonaro, sua trupe e o STF, ao invés de centrarmos energias mentais nas medidas que devem ser tomadas logo. O tarifaço imposto ao Brasil pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi mais um ruído que também desviou nossas atenções, muito por culpa do presidente Lula, que ao invés de tratar o tema como um problema de Estado, acha mais ponderado fazer bravatas contra um adversário que jamais poderá vencer.

Jean Paul Sartre, na famosa Conferência de Araraquara de setembro de 1960, lançou a todos: “eu não sou uma couve-flor”. Quis dizer Sartre que a couve-flor é o que somente pode ser – uma couve-flor, porque a ela não é dada a atribuição de deliberar sobre sua própria existência e destino no mundo. Mas Sartre, como ser humano, pode refletir sobre as circunstâncias, sobre as lições que aprendeu no passado e sobre quais são as melhoras escolhas para o futuro.

Nós, caminhantes que somos, estamos diante de uma oportunidade ímpar para deliberar e decidir o futuro. O caminho adiante pode ser de terra, lama e lodo, ou de pavimentos sólidos decisivos à aceleração e ao desenvolvimento. Tudo irá depender de quem caminha e dos caminhos que escolhe. Quais serão as suas escolhas?

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