Robert Redford, morto na terça-feira, 16, aos 89 anos, tinha uma relação peculiar com os quadrinhos. Não apenas porque interpretou Alexander Pierce, um dos vilões dos filmes da Marvel, que apareceu em Capitão América: O Soldado Invernal (2014) e, brevemente, em Vingadores: Ultimato (2019). Mas também porque o ator americano inspirou um dos personagens mais icônicos da arte sequencial italiana, o caubói Ken Parker, criação do roteirista Giancarlo Berardi e do ilustrador Ivo Milazzo.
Criado em 1974, Ken Parker é, literalmente, a cara de Redford. Não do artista americano, conhecido por sua defesa intransigente do cinema e pelo engajamento em causas humanitárias. Mas do protagonista do filme Mais Forte que a Vingança (1972), Jeremiah Jones, um homem solitário que abandona a civilização e procura isolamento para aprender com um eremita a ser um homem das montanhas.

Milazzo, cocriador e desenhista do personagem, revela que ele e Berardi eram “apaixonados por cinema” e vivenciaram tanto o período do faroeste americano pós-guerra, com seus “heróis absolutos”, quanto a onda do revisionismo histórico, que emergiu no final dos anos 1960 e início dos 1970. O impacto do longa dirigido por Sidney Lumet foi, segundo o ilustrador, como “um raio rasgando o céu azul”. A inovação não estava na figura do herói tradicional, mas em apresentar um protagonista “inserido em um ambiente muito vasto, selvagem e áspero”.
A nova abordagem abriu os olhos dos jovens criadores para possibilidades narrativas diferentes. Milazzo explica que eles perceberam que podiam “contar algo diferente em um gênero que havia sido muito explorado tanto na literatura, no cinema e nos quadrinhos”. A escolha de dar ao personagem o rosto de Robert Redford foi uma clara “forma de homenagem a este extraordinário [ator] por sua humanidade, por suas emoções”.

Embora Robert Redford nunca tenha se manifestado publicamente sobre Ken Parker, Milazzo acredita que o ator tinha conhecimento da existência do personagem. Ele menciona a publicação de um álbum de Ken Parker recentemente nos Estados Unidos, sugerindo que “uma voz chegou ao seu ouvido de que existia um personagem inspirado em seu rosto, ou em sua maneira de ser homem”.
Curiosamente, Milazzo compartilha uma descoberta sobre a juventude de Redford, que ele considera um indicativo de que “as coisas nunca acontecem por acaso”. Segundo uma revista italiana, o ator queria ser artista em sua juventude, chegou a ir para a Itália para pintar e até trabalhou como assistente de desenhos animados em uma produtora.
Para Milazzo, essas coincidências reforçam sua crença de que “se alguém está no caminho certo que pertence à sua essência, ao seu modo de ser, penso que as coisas certas acontecem em sua vida”. Assim, “o fato de Robert Redford ter se tornado um pouco o emblema do meu personagem” tem um significado profundo.
Ken Parker foi criado em 1974, a pedido do lendário editor Sergio Bonelli. Era para ser apenas uma história em uma edição especial. Mas o personagem agradou tanto Bonelli que acabou por ganhar um título só seu. O primeiro volume chegou às bancas italianas em 1977 e durou até 1984. Foram, ao todo, 59 aventuras, que hoje são publicadas no Brasil pela editora Mythos.