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Por que vínculo de trabalho em apps pode aumentar o desemprego no Brasil

 

 

As expectativas sobre o mercado de trabalho hoje são bem diferentes do que já foram um dia. O desenvolvimento de novas tecnologias e formas de atuação trouxeram alterações próprias à dinâmica do mercado de trabalho. Segundo pesquisa Datafolha, divulgada em junho, 6 em cada 10 brasileiros preferem trabalhar por conta própria que ter um emprego fixo.

Esse fenômeno crescente está intimamente ligado ao avanço da economia compartilhada, baseada no uso de plataformas digitais para mediar serviços entre consumidor e fornecedor. O desenvolvimento dessas tecnologias revolucionou setores como o de transporte, entregas e hospedagem, tanto para os usuários quanto para os trabalhadores. Estudos recentes do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e do Datafolha mostram que o principal benefício citado por motoristas e entregadores é a flexibilidade que permite conciliar o trabalho com os aplicativos com outras atividades.

Para além da maior autonomia, o crescimento da escolha pelo trabalho por meio de aplicativos tem razões econômicas. Apenas em 2024 o Brasil recuperou o nível de renda per capita observado em 2013. Nesses onze anos de instabilidade econômica, as classes mais vulneráveissofreram os maiores impactos, com redução do poder de compra de forma mais intensa. Nesse cenário, o trabalho por aplicativos surgiu como uma importante forma de incremento de renda. 

Uma pesquisa divulgada em junho deste ano pelo Cebrap aponta que a maioria dos motoristas e entregadores são homens negros, com ensino médio completo e integrantes da classe C. O estudo indica que a renda líquida por hora na modalidade – média de R$ 19 a R$27 para motoristas e R$ 17 a R$ 22 para entregadores – é superior à média do salário-hora do mercado no setor de serviços para trabalhadores com nível de instrução semelhante.

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Diante da crescente importância do tema e do aumento do número de adeptos da economia compartilhada no país, houve um aumento na pressão sobre a necessidade de regulação dessa nova forma de trabalho. O tema está em debate no Congresso Nacional, e o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), criou uma comissão especial para elaboração de uma proposta sobre o tópico. O assunto também está em discussão em uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Edson Fachin, que trata da definição da existência ou não de vínculo de emprego entre os aplicativos e seus parceiros. 

Neste contexto, recentemente a Ecoa Consultoria Econômica desenvolveu um estudo sobre o tema por solicitação da Amobitec, que traz insumos relevantes a serem considerados nesse debate. Usando a metodologia de Matriz Insumo Produto e os fluxos de receitas e custos para as empresas, foi possível estimar os possíveis impactos que a imposição de vínculo de emprego teria para os motoristas e entregadores, as empresas e os usuários do serviço. 

Atualmente, 2,2 milhões de pessoas atuam como motoristas e entregadores por meio de aplicativos. De acordo com a análise, determinar vínculo empregatício nesta atividade provocaria um aumento de custos trabalhistas, tributários e de conformidade para as empresas. Esse impacto teria de ser repassado ao consumidor, e levaria a uma alta média de 34% nos preços das viagens por aplicativos, e de 26% nas entregas. 

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O aumento nos preços do serviço, por sua vez, causaria uma redução de demanda que provocaria a exclusão de 52% do total de motoristas e de 82% dos entregadores, o que significa que 1,3 milhão de pessoas deixariam a atividade. Como resultado, a massa de renda dos motoristas e entregadores teria uma queda de R$ 26,1 bilhões em um ano.

Como consequência, haveria uma perda de até R$ 45,9 bilhões no PIB brasileiro. A arrecadação tributária sobre o consumo também teria queda de R$ 2,7 bilhões.

Assim, qualquer proposta de regulação do setor precisa ser debatida com base na realidade atual e firme em premissas e dados racionais, sob o risco de se definir regras capazes de gerar grave prejuízo social e econômico, e que afetam diretamente motoristas e entregadores, público que pretendem proteger. No fim, o regramento pode estar em dissonância com as necessidades e anseios da sociedade. 

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Não se pretende aqui afastar a oportunidade de aperfeiçoamentos contínuos no arcabouço que rege o modelo de atuação das plataformas. Entretanto, é importante destacar que tais intervenções, assim como os impactos econômicos delas decorrentes, devem ser analisadas com cautela, de modo a considerar o custo-benefício da política aventada. 

As mudanças na dinâmica do mercado de trabalho já estão postas, e tentar regular novas formas de atuação profissional com base em soluções antigas é retroceder. Diante deste cenário complexo, a saída mais viável parece ser a criação de um novo modelo, que comporte as necessidades de todas as partes envolvidas, e seja capaz de capitanear uma nova era nas relações de trabalho. Assim será possível construir um caminho mais equilibrado, inclusivo e economicamente viável para o futuro do trabalho no país.  

*Cláudia Viegas, é sócia da Ecoa Consultoria Econômica. Economista, com mestrado e doutorado pela FEA/USP. Foi secretária adjunta da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), no Ministério da Fazenda

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