Em algumas cidades do Brasil, eis uma cena cada vez mais comum: restaurantes que extrapolam os limites de seus salões e se estendem para a calçada com mesas, cadeiras, toldos e até mesmo pequenos ambientes de espera improvisados. Na maioria das vezes, o “puxadinho” vai além, ocupando parte da própria via pública. Para o consumidor, a experiência pode parecer charmosa, remetendo a cafés europeus ou ao espírito boêmio da cidade. Mas, para quem não está buscando o serviço do lugar, a situação é delicada, afinal, os espaços públicos são para todos e não são de propriedade dos comerciantes.
Calçada ou rua não integra a área particular do estabelecimento e, portanto, não compõe a metragem de cálculo para IPTU. A cobrança de imposto sobre propriedade imobiliária só incide sobre a área construída ou o terreno pertencente ao imóvel. Quando o comerciante ocupa a via, ele está, na prática, utilizando um bem de uso comum, que só pode ser explorado mediante autorização do poder público. Há legislações municipais que regulam essa possibilidade, exigindo licenciamento, pagamento de taxa de uso e o cumprimento de requisitos de acessibilidade e segurança. Fora dessas hipóteses, a apropriação do espaço coletivo se configura como irregular.
A capital paulista tem diversas legislações que normatizam esse tema. Algumas leis permitem que bares, confeitarias, restaurantes, lanchonetes e similares façam uso do passeio público fronteiriço para colocar mesas, cadeiras, toldos etc, desde que atendam aos requisitos legais, como manter faixa livre mínima de circulação de pedestres. O decreto mais recente sobre esse tema estipula 1,20 metro de largura livre e desobstruída. Essa faixa é para garantir mobilidade para todos, incluindo pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.
Infelizmente, essas regras não são cumpridas por todos. Alguns restaurantes se apropriam de espaços na via para reservar área que são extensões do seu espaço. A própria cidade de São Paulo regulamentou no ano passado o chamado “Espaço Legal”, uma permissão para ocupar trecho da via defronte ao estabelecimento com o objetivo de ampliar área de atendimento, com caráter precário e oneroso. Ou seja, há uma formalização para que estabelecimentos possam usar parte da rua, não só da calçada, sob certas condições e uma contrapartida remunerada aos cofres públicos.
O impacto dessa prática, no entanto, vai além da esfera tributária ou administrativa. Quando mesas e cadeiras invadem a calçada e as ruas, o pedestre vê reduzido o espaço destinado à circulação, o que gera obstáculos especialmente graves para quem depende de acessibilidade. Deficientes visuais enfrentam riscos de colisão, cadeirantes podem encontrar passagens bloqueadas, mães e pais com carrinhos de bebê precisam disputar espaço com garçons e clientes. O trânsito também fica bastante prejudicado com a redução de suas vias. Na prática, o conforto de alguns transforma-se na exclusão de outros.
Em 2023, o restaurante Nino Cucina & Vino, localizado na Rua Jerônimo da Veiga, no bairro Itaim Bibi, em São Paulo, construiu muretas e pilares de tijolo sobre parte da calçada, ou seja, ergueu estruturas fixas, permanentes, em espaço público. A princípio, o restaurante tinha autorização municipal para utilizar mesas e cadeiras removíveis na calçada, por meio do programa da prefeitura que permitia que comerciantes ocupassem a área de calçada com itens temporários, desde que removíveis. O problema no Nino, porém, foi que as estruturas construídas não eram removíveis. Depois de denúncias da imprensa e de moradores, a Prefeitura de São Paulo autuou o restaurante para desocupar a área municipal injustamente apropriada. Foi constatado que a calçada ocupada tinha cerca de 35m², espaço que, estimado ao valor de mercado local, equivalia a cerca de R$ 650 mil.
As cidades, que já sofrem com calçadas estreitas e mal conservadas, veem nesse uso indevido um agravante para a mobilidade urbana. O que poderia ser um atrativo gastronômico acaba evidenciando a falta de planejamento e fiscalização, além da ausência de políticas que conciliem vitalidade comercial com o direito de ir e vir. A discussão sobre os “puxadinhos” é, em última análise, uma reflexão sobre como equilibrar interesses privados e coletivos, sem esquecer que a rua, antes de qualquer mesa ou cadeira, pertence a todos.