Muito antes dos egípcios, caçadores-coletores do Sudeste Asiático já dominavam uma técnica engenhosa para driblar a decomposição: defumar os corpos dos mortos. Uma nova pesquisa, publicada na revista The Proceedings of the National Academy of Sciences, analisou dezenas de ossadas e identificou evidências de que, entre 14 mil e 4 mil anos atrás, os cadáveres eram lentamente expostos à fumaça por semanas ou meses, em um processo que transformava os corpos em múmias.
Os esqueletos exibem marcas de calor em baixa temperatura e vestígios de fuligem, sinais de que os corpos foram submetidos a temperaturas baixas e constantes, exatamente o necessário para desidratar o tecido e inibir a ação de microrganismos, sem carbonizar a ossada. A descoberta veio de cavernas no Vietnã, no sul da China e em partes da Indonésia, onde os arqueólogos examinaram 69 amostras de ossos de 54 sepultamentos pré-neolíticos.
As múmias também chamam atenção pela posição fetal e amarrações que comprimiam braços e pernas. Segundo os pesquisadores, essa postura facilitava o transporte dos corpos e ajudava a manter a estrutura durante o longo processo de defumação. Alguns ossos apresentam marcas de corte, possivelmente feitas para drenagem de fluidos.

Uma tradição milenar que persiste
Até agora, as múmias mais antigas conhecidas vinham do deserto do Atacama, no Chile, com cerca de 7 mil anos, e do Egito, com pouco mais de 4,5 mil anos. As evidências asiáticas dobram essa linha do tempo e derrubam a ideia de que a mumificação dependia de climas áridos. Mesmo em ambientes tropicais e úmidos, onde a decomposição é acelerada, esses grupos pré-históricos encontraram uma maneira de preservar seus mortos.
O ritual tem paralelos com práticas que sobrevivem até hoje entre o povo Dani, na Papua indonésia. Eles ainda expõem os corpos a fogo e fumaça para preservá-los por décadas, mantendo-os em suas casas como forma de reverência aos ancestrais. Para os pesquisadores, a defumação pré-histórica pode ter servido ao mesmo propósito: prolongar a presença física dos mortos, fortalecendo laços comunitários e criando um elo espiritual que resistiu a milênios.