Com o estardalhaço de sempre, a Apple lançou na semana passada a família do iPhone 17, destacando o sistema de fotografia. Eis os diferenciais da versão Pro Max, segundo o fabricante: “Câmera frontal Center Stage de 18 megapixels; três câmeras traseiras de 48 megapixels, dispostas em triângulo”. Com tanta novidade, tanto avanço tecnológico, parece dissonante que um modismo tenha se espalhado por aí com vigor: a adoração pelas máquinas digitais compactas dos anos 2000, antes da eclosão da era do smartphone, esta que vivemos.
Trata-se de deixar o amanhã no acostamento, um pouco que seja, para empunhar sucessos como a Sony Cyber-shot, a Canon PowerShot, a Nikon Coolpix e cia. (veja as favoritas no quadro). Há espaço também para aparelhos que mimetizam a antiga Polaroid, de impressão imediata. Levados para baladas e viagens, os equipamentos digitais produzem fotos granuladas, de cores estouradas e flash forte. É o oposto da nitidez prometida pelos totens de hoje como os da Apple, e é aí que mora o charme.

A tendência tomou corpo nas redes sociais, é claro. Hashtags como #digitalcamera já somam centenas de milhões de visualizações no TikTok; a #cybershot acumula dezenas de milhares de postagens, em vídeos que ensinam a transferir fotos antigas para o computador ou exibem garimpos em brechós e sites como eBay e Mercado Livre. Celebridades também ajudaram a impulsionar a moda: no Emmy de 2024, a atriz Ayo Edebiri apareceu com uma Sony Cyber-shot de 8 megapixels; a cantora Dua Lipa já posou com uma compacta, e brasileiras como Bruna Marquezine e Rafa Kalimann também exibiram seus modelos em festivais e postagens no Instagram. Não há, por ora, estimativa econômica de compras, mas os efeitos são claros. As buscas no Google por “câmera digital antiga” dobraram em 2025 na relação com o ano passado.
A explicação vai além do saudosismo. Para quem vive a hiperconectividade dos smartphones — com notificações constantes de mensagens —, fotografar com uma compacta cria um pequeno oásis de atenção. O ato de ligar a câmera, enquadrar pelo visor minúsculo e clicar sem filtros devolve intenção ao registro. “A câmera compacta oferece o que se pode chamar de monotasking luxuoso, dispositivo com uma única função, sem distrações”, diz Daniel Bichuetti, especialista em tecnologia e negócios. “Essa geração descobriu o poder da desconexão seletiva. Não estão abandonando a tecnologia, mas segmentando experiências digitais.”
Outro fator é estético. Os smartphones modernos aplicam dezenas de camadas de algoritmos a cada clique. Os celulares são preparados para fazer correção de cor e suavização de pele, entre outras coisas. O resultado é tecnicamente perfeito, mas visualmente homogêneo. Para a geração Z, a imperfeição virou assinatura — e aí que as câmeras digitais conquistaram corações. “O flash estourado, o granulado e o blur de movimento, antes vistos como limitações técnicas, hoje são buscados de propósito porque transmitem autenticidade”, diz David Bydlowski, especialista em inovação digital e inteligência artificial. No caminho, as agências de publicidade também aderiram ao jeitão de antigamente, porque soa agradável.
Abandonam-se, por ora, as promessas infinitas da tecnologia em troca de uma necessidade humana: a segurança. Dito de outro modo: quando tudo muda o tempo todo, e com rapidez inadiável, o passado é o porto seguro. O vinil, por exemplo, voltou às prateleiras das lojas, e até os “dumbphones”, celulares simples, sem aplicativos, ganharam espaço entre jovens cansados de telas. Há um quê de rebeldia, ao andar no avesso dos avanços, mas o ponto crucial é outro, como mostrou o dinamarquês Martin Lindstrom, no best-seller A Lógica do Consumo: “Quanto maior o estresse a que estivermos submetidos em nosso mundo e quanto maior for o medo, maior será a nossa procura por bases sólidas”. Não tem como ficar mal na foto, ainda que ela saia um tantinho fora de foco.
Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2025, edição nº 2961