Alexandre de Moraes se preparou como nunca para o julgamento em que definiria a culpa de Jair Bolsonaro na trama golpista. Nas últimas duas semanas, pouco depois das 8 horas da manhã, chegava ao gabinete do Supremo Tribunal Federal (STF) e se dedicava a fazer ajustes finais no arrazoado que condenaria o ex-presidente a 27 anos e três meses de prisão. Diante do surpreendente voto do ministro Luiz Fux, encomendou um inventário de decisões conflitantes do colega de toga e providenciou vídeos que escancarariam discursos do capitão com ameaças à Corte e pedidos em prol de uma ilegal intervenção militar no país. Mas foi na proposta de dosimetria, consolidada depois da manifestação de Fux e guardada a sete chaves, que o magistrado praticamente minaria as chances de Bolsonaro e dos outros condenados a apresentar recursos capazes de reverter as penas de condenação em Plenário.
Embora ministros aliados a Moraes tivessem sua própria proposta de pena para cada réu – Flávio Dino, por exemplo, havia rascunhado 31 anos de prisão para Bolsonaro –, a estratégia do relator era garantir que os três outros juízes que haviam condenado políticos e autoridades do antigo governo por tentativa de golpe de Estado endossassem completamente sua dosimetria.
Com isso, Moraes reforça o entendimento de que o colegiado não deve aceitar eventuais recursos que explorem a divergência de votos entre os julgadores. Na atual interpretação dos integrantes do STF, os chamados embargos infringentes são possíveis no caso de quatro votos pró-réu quando o caso é analisado pelo Pleno e dois votos quando o processo é julgado em uma das duas turmas, compostas por cinco ministros cada. Admitidos, os casos vão Plenário, onde ministros que não participaram do julgamento também votam sobre o destino dos réus.
Se os entendimentos de condenação beirarem o uníssono, como foi o caso da trama golpista, em tese não é possível apresentar os recursos de divergência. Foi por isso que Alexandre de Moraes anunciou ter estudado como cada um dos colegas compunha sua própria dosimetria – por lei definida nas fases de pena-base, agravantes e causas de aumento – e buscou encontrar penas que Cármem Lúcia, Flávio Dino e Cristiano Zanin, os três ministros que também haviam condenado todos os réus do núcleo crucial da trama golpista, concordassem.
Foi também por isso que concordou em retirar seis meses de prisão de sua proposta de pena aplicada ao general Walter Braga Netto e se alinhar à proposta de 26 anos de cadeia, defendida por Zanin, ou endossar o patamar proposto por Cármem Lúcia de pena de 16 anos, um mês e 15 dias ao deputado Alexandre Ramagem. O mesmo protocolo foi seguido por Flávio Dino, que na antevéspera tinha anunciado que daria penas menores a Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), Augusto Heleno (Segurança Institucional) e Ramagem (Agência Brasileira de Inteligência), mas na quinta-feira, 11, se alinhou à dosimetria de Moraes. Ainda assim, o advogado Paulo Cunha Bueno, que integra a banca de defesa de Bolsonaro, disse que deve apresentar embargos infringentes.
Como foi o voto de Alexandre de Moraes na trama golpista?
Alexandre de Moraes endossou a totalidade da acusação apresentada pelo procurador-geral da República Paulo Gonet e defendeu publicamente que o processo estava recheado de provas contra os réus, em boa parte porque os próprios investigados armazenavam dados comprometedores, conversas e rascunhos antidemocráticos em celulares e computadores que acabaram apreendidos. Para o relator, que apresentou ao longo de quase cinco horas o encadeamento de fatos que por pouco não levaram o país a uma ditadura, as investigações mostraram uma “cronologia criminosa lógica” que buscava, mais do que uma simples cogitação, a perpetuação do antigo governo no poder mesmo com a derrota nas eleições presidenciais de 2022.
Para comprovar o que dizia, ele elencou 13 fatos tidos como atos executórios dos crimes de tentativa de abolição do Estado Democrático e de golpe de Estado, entre os quais a utilização de órgãos públicos para o monitoramento de adversários políticos, ataques coordenados à Justiça Eleitoral, bloqueios de rodovias para impedir eleitores simpáticos a Lula a acessar locais de votação e, no ponto mais crítico, o atentado a bomba no aeroporto de Brasília no final de 2022, o planejamento do assassinato do petista, do então vice-presidente eleito Geraldo Alckmin e do próprio Alexandre de Moraes e a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
Ao contrário de Luiz Fux, que no dia seguinte tentaria minimizar a conhecida verborragia de Bolsonaro, Alexandre de Moraes explorou a escalada retórica do ex-presidente e destacou que, já em 2021, quando dizia que só deixaria o poder “preso, morto ou com a vitória”, o ex-mandatário deixava claro “de viva voz, de forma pública para toda a sociedade, que jamais aceitaria uma derrota nas urnas, uma derrota democrática nas eleições. Que jamais aceitaria ou cumpriria a vontade popular”.
No voto, Moraes também abordou em detalhes a sequência de reuniões de Bolsonaro com integrantes das Forças Armadas no Palácio da Alvorada, episódios em que, segundo a acusação, se discutiram minutas golpistas e arrazoados para uma ilegal intervenção militar no país. “Não há nenhuma dúvida da ocorrência de reuniões do réu Jair Messias Bolsonaro para discutir a quebra do contrato constitucional (…) Chame como quiser, isso é uma minuta de um golpe de Estado”, disse.
Na sequência, rechaçou a tese de defesa do ex-presidente de que as reuniões discutiriam saídas constitucionais para um país convulsionado e polarizado politicamente. “A crise institucional na cabeça da organização criminosa é o fato de terem perdido o poder. No Brasil tem um nome só: golpe de Estado”, afirmou o magistrado.